15.2.09

Carta ao Homem do séc. XXI


Vou contar-te o meu cansaço e o meu desencanto e a minha luta.
Vou contar-te as madrugadas silentes e os sorrisos tristes.
Vou ainda dizer-te a desilusão de um caminho.

Farei de ti um forçado confidente que por momentos se tornou cúmplice da abnegação e da alegria, da agonia do afecto e do riso escancarado. Perdoar-me-ás intrometer-me, mas de que é feito o Homem senão de Partilha e Solidão? Um dia sucede ao outro e a noite traz a madrugada, mas só há luz se o Homem quiser.

Vou partir para um laranjal.
Apanharei os frutos da experiência e colocá-los-ei no cesto do meu pensar. Talvez me farte.
Talvez me apeteça o escritório no meio da grande cidade, e te apite de dez em dez minutos a avisar-te de uma nova vida.

Enviarei faxes e e-mails, bilhetes e pombos-correio para todos os cantos do mundo, e o destinatário serás sempre tu. Hei-de encontrar-te, ainda que escondido dentro de ti próprio. Uma luz perscrutará o teu vazio e ditar-me-á um coração. Dois mil anos de sucesso no progresso, mas então e o Homem?

Começas agora a perceber esta carta? Este é o momento de quem ainda não soube apear-se do cavalo da fantasia, para correr na direcção autêntica de si mesmo. Um dia sucede ao outro e a noite traz a madrugada, mas só acordamos se tivermos dado sentido à noite. Vou contar-te a experiência da Bondade e da Gratidão. Vou dizer-te a alma que cada homem traz aprisionada. Vou falar-te dos ingénuos da vida e dos falaciosos doutores. Dir-te-ei que o mundo não presta sem ti, mas tu também não prestas sem o mundo. Cuidado, porém! Viver no mundo não é hipotecar o ser.

E assim, quando acordares, sorrirás para ti, verás o amanhecer pela janela entreaberta, e o frio dar-te-á a certeza do viver. Apenas espero que não te envolvas nas gravatas sociais, nos chás de cortesia, no curriculum que inveja ou na superioridade do nada. Tudo o que tens a fazer, é correr atrás de ti.

Oh Homem, e se outros mil anos passarem sem que tenhas existido, que sentido é então o do mundo...?