11.3.09

Os Ignaros


Os espertos são os néscios da condição humana. Usam todas as ferramentas pessoais ao seu dispor para concretizar o mais mesquinho objectivo, e sentem-se grandes por isso. Tanto pode ser a simples desonestidade, como o golpe do baú, os ardis financeiros, ou a carapuça reluzente que esconde uma dantesca ignorância. Mas existe um défice no meio de tudo isto. Grave. Uma lacuna não preenchida que acaba por ter um efeito real. E é exactamente por isso que só aquele que sabe calar o barulho do mundo, não se deixa impressionar com os brilharetes actualizados dos outros numa desgastante rotina de servidão humana. É, aliás, a este nível, que se desenvolvem os instintos que mais criticamos. Somos intrinsecamente bons, mas automatizamo-nos para constantes duelos de que somos proponentes, e depois já não passamos sem eles. Aí sim, toda a miséria chegaria abstrusamente à superfície, e juntos sucumbiriam ante a verdadeira finitude. Por isso usam limalhas artificiais onde se consegue um patamar que, não sendo o horizonte, também esconde o cano de esgoto. E, com essa notável capacidade de camuflagem, o edifício em construção acaba sempre por ser o andar-modelo.

Não critico o uso das capacidades primitivas de percepção, e o concomitante uso da esperteza, já que podem não conseguir mais do que isso. Talvez, afinal, não sejam inteligentes. Só a formação humana garante à pessoa que não caia sistematicamente naquela zona primária, estanque e voraz, onde nos colocamos acima de todos, antes optando pelo núcleo de valores que enformam a vida na sua própria dignidade. Aquilo que critico é o recurso contínuo ao imediato em detrimento de propósitos mais dignos do que básicos instintos de sobrevivência, ainda que social (ou exactamente por isso). Se não entravarmos sustentadamente os ímpetos, acabaremos inevitavelmente por nos perder no caminho, construindo uma massa humana caótica e desenfreada que torna real um filme de ficção cientifica onde, porventura, os seres humanos fossem retractados como o embrião de um monstro.

A capacidade de nos afirmarmos com o pleno sentido de Humanidade, passa inevitavelmente pela coragem de sermos nós próprios, sem subterfúgios ou sentimentos infantis de vergonha perante aquilo que possa ser socialmente indigno. A era moderna não são as modas efémeras ou o politicamente correcto, mas o núcleo de valores que possamos ter e transmitir! De outra forma, não passaremos de espectadores passivos num mundo redutor e anónimo.