6.7.09

DEUS NÃO SE PROVA



Remonta ao seu próprio aparecimento, a controvérsia que sempre se gerou entra a ciência e Deus. Dizemos que não sendo possível provar Deus, logo não existe, e então a sua validade será igual à do Pai Natal, dos duendes ou das fadas madrinhas. Nada mais falacioso, elementar, simplista e redutor. Acreditar nestes entes faz parte do crescimento psico-afectivo da criança (e mal das que não sonham o mistério), mas uma vez tornada adulta, a criança discerne pela razão, não o absurdo da crença mas a efabulação necessária que houve, com elementos constitutivos do crescimento como os seres mágicos. Com Deus, transmitido embora de forma diferente em criança e em adulto, não deixa de ser racional acreditar nele, e muito menos absurdo.

Não há qualquer lógica em concluir que por Deus não ser uma realidade científica, i.e., mensurável, quantificada, experimentada, não exista. Cientificamente não existe a beleza de uma sinfonia, mas um debitar de decibeís. Não existe estética, nem amor, nem arte, nem nada na ciência que não a mera prova pelo método científico. A ciência é amoral. É-lhe indiferente que amemos ou repudiemos alguém. Ou seja, não podemos legitimar a ciência naquilo que não é seu. A ciência simplesmente se deve limitar ao seu campo (por natureza restrito). Não podemos forçar a razão para além dos seus limites. O Homem está para além de si. Pretender, por exemplo, que o registo da actividade cerebral na sua vasta complexidade poderia vir a explicar e determinar uma realidade que é transcendente, é sermos intelectualmente arrogantes, deificando a nossa própria existência. A neurobiologia, a neurofisiologia, o estudo da mente e das emoções, trazem-nos luz sobre reacções e comportamentos, mas não sobre a alma, o Transcendente, e muito menos Deus.

A ciência é o resultado do Homem na conquista do saber. Somos inquietos, queremos mais. Passamos a ver o mundo como ele é, e não como julgávamos que fosse. Tiramos proveito disso. É o progresso. Mas saibamos ter a humildade de não legitimarmos à gastronomia o estudo dos quarks, ou de pedir à religião que se pronuncie sobre as células cancerígenas. E ironicamente até pela mecânica quântica a probabilidade de algo ter surgido do nada é muito remota.

Decididamente, Deus não se alcança pelo esforço intelectual que dele possamos fazer. Porque Deus ultrapassa a finita razão, e o finito não pode conhecer o infinito. A razão é um simples instrumento que não percebe nada de amor. Aceita-o, porque se compreende racionalmente, mas não entende. Razão e emoção são por natureza antagónicas, e no entanto não se invalidam; apenas não se imiscuem. O mesmo com o amor a Deus, que não é um capricho ou um sentimentalismo cor de rosa, mas uma responsabilidade consciente. Entra, então, a fé que mais uma vez supera a razão. Somos, de facto, limitados. Se um homem numa ilha não pescar por desconhecer a existência de peixes, tal não invalida a sua existência.

Como diz Michel Renaud: “O ser humano é hoje confrontado com tantas racionalidades diferentes, que abandona a ideia da unidade da verdade, duvida da razão e torna-se céptico”.