14.7.09

LEVA-ME DE MIM

Estou sentado numa rocha ao pé do mar. É tão calma e limpa esta água ao pé de mim. Ninguém se abeira nem eu peço a ninguém que fique. E, no entanto, como gostaria de ter ali alguém que me contasse contos de criança e de mar, que me afagasse o cabelo, sem se importar com mais nada. Como aqueles filmes onde a fotografia é da cor do Outono e só me apetece ficar lá. Eternamente. Sei que é fuga de mim mesmo e da própria vida, mas que desertem agora as considerações moralistas sobre a realização existencial, o caminho da responsabilidade, o medo do compromisso, a afasia da personalidade. Todos os filmes parecem perpetuar a vida, tal como este mar, onde um pintor acidentalmente me podia deixar preso na tela, julgando-me uma parte natural do cenário. Mas a dor é crescimento e por isso permito condoer-me, baixando as defesas do riso espontâneo e sincero para um ser psicasténico.

Pego numa pequena rocha. Fria, inerte, baça e cinzenta. Perpasso-a pelos dedos, lentamente, avaliando-lhe as qualidades. Absorvo-lhe o cheiro de Inverno que guarda consigo como se fosse um búzio a reter a nostalgia da chuva. Rendo-me. Confio-lhe o meu ser até uma onda salgada me trazer de novo à realidade. Mas eu gosto do mar, não da praia. E quando os olhos inundados, deixam cair uma lágrima que se dilui sobre a pedra, acredito que tenha feito alguma combustão imperceptível aos meus dedos gastos de tanto a possuir. Mas partilhar, verbalizar a alguém toda esta inefabilidade, é mister. As pessoas não entendem o seu próprio mundo para lhes darmos o alvará de perceber o dos outros.

Embrulho-me nestes pensamentos e dou com a aurora a suavizar-me o corpo. São 6h30 da manhã. O dia promete calor. Em cada amanhecer há sempre uma esperança renovada, um toque de perfeição. Uma segunda oportunidade para começar tudo de novo. Seja o que for.

Afasto o pensamento e com ele a emoção para me tornar no ser que me vêem: potente, forte, luminoso, genial, desassombrado. Mas a realidade é outra: sou apenas uma lâmpada de alta voltagem que não dá luz. O que me entristece duplamente. Porque a luz que dou é de partilha e não de ostentação, e porque me julgam soberbo quando o não sou. Dizer isto a alguém seria engano. Dir-me-iam que brincava. A minha postura mente o que sinto. Talvez seja uma defesa inconsciente como quem guarda o que tem de mais sagrado num pequeno cofre cercado de betão. E as pessoas, vendo o betão, não cuidam da fragilidade do interior. A não ser aquelas que conseguem ver mais longe. As pessoas que julgam as outras apenas pela aparência são tristes e inseguras. Não podem permitir que chegue alguém, vindo não se sabe de onde, e lhes leve a ilusão de que aquilo que tentam ser tem um sentido profundo. A superioridade que repetem para si próprias, no momento em que julgam os outros pela aparência, é a inferioridade que as olha de frente, que sabem certa, que sentem afundar-se no seu interior mais profundo, quando, apesar de todos os esforços, apesar de toda a resistência, não conseguem ficar frente a um momento vazio, que é como um espelho, como uma agulha.

Mas por ora apetece-me o mar. O sol está forte. A camisa é um bocado de pano amarrotado e os óculos descaem-me. Calcorreio o paredão Inundado de luz… e de mar.

No fim da linha, quando a noite cai, não há raça ou posição que nos distinga: somos todos indivíduos, mais ou menos perdidos, em busca de um mundo melhor.