17.9.09

O VERDADEIRO AMIGO RECONHECE-SE NA SORTE

Juízo Final (Capela Sistina)

Enquanto o ciúme é um sentimento que podemos chamar triangular (e até é possível confessar porque envolve a presença de três pessoas e, ao fim e ao cabo, é aceite e comunicado), a inveja é bi-pessoal e não se pode confessar, porque há dois actores e nunca se pode mostrar às claras, porque perde-se toda a consideração.

A inveja, como é fácil intuir, é também o único vício que não procura prazer. Diria mais: é algo que macera e atormenta interiormente, que isola da realidade e falsifica as relações. O que aparece completamente evidente é que neste vício encontra-se uma grande percentagem de auto-destruição dado que o invejoso também é sempre uma pessoa descontente e uma pessoa melindrada. Bem sabemos todos como o ressentimento polui a vida, coloca-a numa realidade de estagnação e putrefacção. Isso acontece, por exemplo, quando ficamos ligados a uma cadeia de culpa, quando não conseguimos perdoarmo-nos a nós próprios, ou quando o nosso pensamento se centra de modo obsessivo numa ofensa recebida.

O invejoso detesta de modo visceral o bem dos outros, porque o bem dos outros é percebido pelo invejoso como uma derrota para ele, como um julgamento, como um falhanço de si próprio. O que o invejoso deixa transparecer é a dificuldade – para não dizer a impossibilidade – de se alegrar com o próximo, de compartilhar os sucessos. E isso acontece no círculo mais restrito, no mesmo grupo, até na mesma família, como nos ensina o episódio de Abel e Caim. Deste ponto de vista, talvez possa ser reformulado o ditado que diz que o amigo se reconhece na desgraça. De facto, o verdadeiro amigo pode ser reconhecido quando tudo corre maravilhosamente bem, até bem em excesso.
O remédio para a inveja encontra-se, portanto, na aceitação do outro tal como ele é, naquilo que o distingue e o qualifica. Sem rancor, sem formular confrontos, sem alimentar sentimentos de inferioridade ou superioridade.

Rebaixar os outros, seja de que maneira for, não nos torna melhores.