17.11.09

QUANTO DE NÓS?

9h da manhã. Siena (Itália)

Entre o ter e o dar dividimo-nos ao longo de toda a vida. Muitos julgam que só podem dar quando tiverem em abundância, e outros tantos planeiam ser muito generosos se lhes sair o euromilhões. É tão fácil esquecer que as maiores dádivas quase nunca têm a ver com quantidade ou com coisas materiais. No fundo, o que temos que não nos tenha sido dado? A começar pela vida, passando pelo dom da amizade e o milagre do amor, é importante o nosso trabalho e esforço, mas quanto existe de dúvida que dependeu mais de outros do que de nós? E também há o medo de dar, de confiar (que é dar-me a alguém), de correr riscos por algo maior. Porque o dar implica deixar de ser dono de algo (e somos verdadeiramente donos de quê?). Tempo, dinheiro, saúde, fama, coisas que consideramos tão essenciais, mas tão facilmente se esboroam perante a inevitabilidade da morte. Quando pensamos e agimos dependentes do medo, é difícil o salto generoso e aberto que toda a dádiva implica. Medo do outro, do que pensa diferente, da novidade, quantos medos podemos descobrir? E quando o medo vence, enterra-se sempre uma riqueza.

Perante a história de cada um, sentimo-nos também a precisar de algo ou de alguém, ou a auto-suficiência já se tornou uma segunda veste com que tapamos as nossas debilidades? E se continuar com raciocínios em catadupa, rapidamente chego aos números versus ser humano. Os números tomaram conta do nosso mundo. É óptimo quando as contas saem bem e temos dinheiro nos bolsos, mas para mim, os números são frios, de uma lógica imbatível, capazes de nos deslumbrar (o simples facto de pensar no euromilhões, por exemplo) mas também de nos aterrorizar (veja-se a actual crise financeira mundial). Os números quantificam e podem ser racionais e irracionais. Eu sou mais das palavras. Porque têm alma, que é coisa que os números nunca terão! Com as palavras penso e construo, sonho e projecto, erro e aprendo, escolho e amo. É com palavras que decido o que fazer com os números e dou sentido ao muito e ao pouco. Por isso recuso que o ser humano seja um número ou tratado como tal, que a vida se meça no número dos anos, que o trabalho se reduza à obtenção de um salário, que uma pessoa valha pelos números da conta bancária, que o amor se quantifique no que é meu e no que é teu ou no politicamente correcto. O amor não se contabiliza. A entrega também não. Mas são exigentes.

Carregamos tesouros. Os que levamos no coração. Não basta mudar o embrulho. É preciso ir à força contagiante da alegria. A alegria que dá trabalho porque implica procura dos seus sinais, simplicidade para se maravilhar e encantar. E quanta soberba intelectual não há por aí? E quantos vivem a sua vida num quadrado da sua existência como se as restantes pessoas fossem figurantes do seu palco? E quantos julgam já saber tudo, quando afinal ainda não sabem nada?...

A nossa vida não terá valido a pena se não nos tivermos doado. Pensem nisso.