2.2.10

IN A MOMENT OF PEACE

"The future is a world that tries to live without the engine of the heart" - escreve Morrison.  Ligo o aparelho e avivo recordações. A música é mítica. Bate, bajula, espreme, adora, consente. Ponho a cabeça entre as mãos. A literatura fervilha-me no cérebro e as palavras de Jim apunhalam-me, empurram-me sem coesão. Só. Com verdade. Levanto-me com a música atrás de mim. Transportando-me. "And we, being young only once, see it, for we see an enormous string attached to the puppets of the world" grita Morrison. Fecho o raio do livro. Desligo o aparelho e a música fenece no espirito. Ah vida, se te pudesse contar as outros... Nas fibras ondulantes do meu pesar soam palavras cantadas: "I must wake for the sunrise, i must think of a new light and i mustn't gave in"... é Streisand quem as canta. E prossegue num crescendo emotivo: "And a new day will begin"... Parou. Suspensão. Só a música permanece como um búzio que ecoa.

Silêncio. O tempo que pare. Abro a janela e permito um aluvião de sentimentos. As mãos continuam teimosas agarrando a cabeça. O vento bate-me na cara. Saio de casa e erro na magia da noite. O sol é negro e o meu sonho profundo. Sento-me ali. As memórias representam-se à minha frente e um carro passa perto deixando escapar a voz de Barbra: "Touch me, it's so easy to leave me all alone in the memories of my days in the sun".... O carro continua a marcha e a voz sumiu-se, mas continuo a ouvi-la mentalmente: "If you touch me you'll understand what hapiness is..." - não quero recordar mas ela termina: "Look... a new day... has begun"...

Parou. Parei. Parámos. Silêncio na luz da noite. Vazio incomunicável. Volto a casa. Cheio de nada. Ou de mim. Dispo energicamente alguma réstea não percepcionada de fingimento, doces palavras, ou subtis correcções. Da educação de sentimentos à legítima revolta, vai o mesmo passo de se fazer julgamentos contra alguém e daí advir a fúria de um justo. Não gosto de doces a saber mal em bonitos papéis de celofane. Muito menos de respostas que se alvoroçam na suposta razão. O que é a razão? Não há duas realidades, excepto em académicas discussões filosóficas. Ou erraste ou não erraste e se para ti o conceito difere, é porque o alteras. E se o alteras, estás novamente a errar. Diz o que tens a dizer. Sem ser rude ou intragável, ou diplomata, qual viperina lingua que esconde e não diz. Mas diz. Se depois me calo, te ignoro, ou subitamente argumento no seio do que julgavas ser um exemplo apenas para embalar, então revê os teus conceitos. Sejas tu quem for. Depois porei um música que me encanta e traz a paz do amor universal. Suave, mas firme. Num momento de paz. Sou aquele a quem a montanha odeia por a ter movido.