14.2.10

NÃO AMES UMA ILUSÃO


Quando se conhece uma pessoa, construímos uma imagem. A imagem tem a ver com as nossas expectativas e mais ainda com o que ela mostra de si mesma. É pelo resultado disso tudo que nos apaixonamos. Se a pessoa for parecida com a imagem que projectou em nós, desfazer-se dela, mais tarde, não será tão penoso. Restará a saudade, talvez uma pequena mágoa, mas nada que resista por muito tempo. No final, sobreviverão as boas lembranças. Mas se esta pessoa "inventou" um personagem e a outra acreditou, virá um processo mais lento: a de desconstrução daquilo que se achou que era real. Desconstrói-se a Ana, desconstrói-se o Pedro, desconstrói-se a Carla. Milhares de pessoas vivem os seus dias aparentemente normais, mas por dentro estão a desconstruir ilusões. Tudo porque se apaixonaram por uma fraude, não por alguém autêntico. Ok, é natural que, numa aproximação, as pessoas "vendam" mais as qualidades que os defeitos. Ninguém vai iniciar uma história a dizer "muito prazer, eu sou arrogante, preguiçoso e cleptomaníaco". É a hora de fazer charme. Uma vez o romance encetado, as defesas são postas de lado e a pessoa mostra-se quem realmente é, as gracinhas, manias e imperfeições. Isso se for honesta. Os desonestos são aqueles que fabricam idéias e atitudes, até que um dia se cansam da brincadeira, deixam cair a máscara e o outro fica ali, sem perceber absolutamente nada.

Quem se apaixonou por uma mentira, tem que desconstruí-la para "desapaixonar". É um sufoco. Exige que se reconheça ter sido seduzido por uma fantasia, que a pessoa é capaz de se deixar confundir, que o seu desejo é mais forte do que a perspicácia. Significa encarar que alguém por quem se dedicou um sentimento não chegou a existir, que tudo não passou de uma representação. Talvez até não tenha sido por mal, pode ser que esta pessoa nem se conheça a si mesma. Diferente é quando se sabe com quem se lida: mesmo que venha a desamá-lo um dia, tudo o que foi construído manter-se-á de pé. Afinal, todos, resistimos muito a aceitar que alguém que gostamos não é, e nem nunca foi especial.

No dia dos namorados gostava de lembrar precisamente isto: os que não têm namorad@ e as pessoas românticas que estão apaixonadas, não pela pessoa mas pelo que imaginaram delas. E isso traz sofrimento porque a pessoa real não corresponde à pessoa por quem se apaixonaram. Daí advém um sofrimento absoluto, mas que é necessário encarar até que ponto era o outro o errado, ou se fomos nós que fizemos projecções. Pela consciência dos factos, conseguimos amenizar o sofrimento para não hipotecar a capacidade de entrega e estarmos sempre receptivos a amar. Porque pior do que construir uma imagem sobre o outro, é alguém fechar-se em si mesmo, valorando quem não merece ou quem simplesmente ainda não é.