30.3.10

DO SILÊNCIO


A música acontece no silêncio. E talvez o silêncio seja a mais sublime das músicas. Estamos na chamada Semana Santa, e talvez Deus seja (também) a beleza que se ouve no silêncio, como num manso encostar de búzio ao ouvido. Os sábios falam pouco e ouvem muito, muito e de forma demorada. Dir-se-ia que escutam algo que se ouve nos interstícios das palavras, onde não palavras. Falamos em demasia e ouvimos pouco. Se alguém fala é-nos fácil não misturar, em sobreposição, a douta sentença que sobre o assunto temos a dizer. Arrogância, vaidade, ou as duas de mãos dadas?


Depois de sair da visita do hospital onde o meu pai convalesce na sua idade dourada que empresta ao tempo tonalidades de sabedoria, deambulei um pouco no redor desse novo empreendimento situado num descampado. Algumas flores chamam-me a atenção, como o vermelho papoila ou o amarelo do lírio, e com uma música surpreendente de silêncio e de paz, os momentos tornam-se mágicos em contraposição ao ramerrão diário e ao tropel de vaidades pessoais ou da net. Se a alma é uma catedral subterrânea,no fundo do mar a boca fica fechada e somos todos olhos e ouvidos. E , livres dos ruídos e do falatório e dos doutos saberes que julgamos ter, ouvimos a melodia que não havia. Por mim, fico-me na música que acontece no silêncio. De um descampado onde o universo ecoa a sua voz. Como este.