13.3.10

PORQUE SÓ TEMOS UMA VIDA


As coisas passam num instante. A vida também. Mas sobrevaloramos este espaço e tempo como se fossemos eternos e omnipotentes. Já aqui escrevi vezes sem conta sobre o orgulho e a soberba, a inerrância e a conta em que nos temos sem nunca desarmar, mas nunca é demais repetir que nesta óptica de finitude que hoje pretendo esboçar, se encontra subjacente precisamente este estado de espírito como que total e absoluto. Somos temporários. Incompletos. Errantes. Quando se chega a uma fase de certezas, a visão da vida e dos outros leva-nos à sabedoria socrática do "só sei que nada sei". Ajudamos ao parto das ideias, mas não somos a ideia. Entreajudamo-nos mas não somos a essência do amor. Sorrimos e bendizemos, mas não somos a Bondade em si. Somos sempre espelho de tudo. Até de nós mesmos. Se voltar ao antigo filósofo que mesmo na morte rejeitou a fuga proposta pelos amigos apenas em nome dos valores, diria como ele que não nos conhecemos assim tão bem, o Homem em geral e cada um de nós em particular. Mas teimamos na tal omnipotência de tudo saber e conhecer. Porque somos imperfeitos. Se olharmos bem, começamos logo por ver esse sinal. Não que pugne pela diplomacia dos termos (pelo contrário, sou muito visceral) mas porque pugno pela noção do ridículo que tantos de nós fazemos mesmo quando não temos a exacta consciência disso, e então torna-se mais caricata a nossa imagem.

Não somos eternos e talvez nesta finitude resida o brilho e o charme da nossa existência que se quer vida. Não somos completos nem perfeitos (até porque, a sê-lo, então alguém tinha de estar errado). Mas embora devamos denunciar o que pensamos mal, o que achamos em consciência errado, e toda uma panóplia de referências pessoais plasmadas preferencialmente em exemplos concretos do quotidiano das nossas vidas, também não somos o Criador. Devemos ter a noção da dimensão do nosso lugar no universo, e tal como fez o maior pedagogo que alguma vez "conheci", Jesus Cristo, dar a vida pelo exemplo, não sobrepor juízos mas também não pactuar. Está tudo . Numa vida maravilhosa de psicopegadogia a começar pelos amigos (os discípulos), passando pelo exemplo vital da sua própria vida, não apenas com palavras de conforto e lições que hoje permanecem para quem é interiormente livre, mas também com gestos concretos do seu quotidiano, evitando as provocações (como fazia com os grupos religiosos da época, os zelotes, essénios e fariseus), mostrando amor e compaixão, denunciando sem achincalhar, e devolvendo à esfera pessoal a dignidade que cada um tem e que nada pode subverter. Tal como com Ele mesmo.

Por maiores os sorrisos, sempre a verdade. Mas o que é a verdade? Por maiores as palavras, sempre a nossa consciência. Por maiores os apelos, sempre o núcleo dos valores a sobrepor-se, qual Sócrates da Antiga Grécia a recusar a fuga na morte preparada pelos amigos. Hoje os valores são as tendências, as modas, os amiguismos, os favores, o achismo. Eu acho que... logo é. O que somos é uns grandes patetas. E cobardes porque medimos a realidade pelo que achamos que é, até que um dia acordemos desta perfunctoriedade e percebamos que podíamos ter feito muito mas mesmo muito mais. A começar pelos valores instalados e pelo arregaçar das mangas no que julgamos correcto e sem os infantilismos do sempre certos. Hoje partilhei isto. Porque eu próprio uso uma balança mental que me obriga a constantes correcções pelo autoconhecimento a cada segundo. Correcções essas que por sua vez necessitam do soutros para me aperfeiçoar e não dos egotismos absolutos em que só nós valemos. Posso não conseguir sempre mas estou atento. Trata-se de uma vida única e irrepetível aquela que temos. E é por isso que não pode haver menor exigência.