7.4.10

UM COELHINHO NO SEXTO PISO

Levanta-se do sono e apreende a realidade. Não é sonho, o que torna tudo muito mais real. E penoso. Fica inerme e observa-se apático nos gestos mais simples. Não põe música nem escreve. Deambula aguardando luz verde. O caminho. Senta-se no meio de barulhos ligeiros da cafetaria e lê o jornal. Os jornais. Começam a perder actualidade e há que actualizá-los na leitura. Um antigo amigo perdido na bruma do tempo abeira-se e estende-lhe um olá generoso. Ele levanta a cabeça e lê: "Pedro Chapa. Técnico Radiologista". É director do serviço de imagiologia e trocam palavras simpáticas de um encontro fortuito que o tempo trouxe. O Pedro, aquele amigo jovem tão voluntarioso como treinador no voleibol feminino, estudante de radiologia. O Tempo traz-lhe um sorriso de gratidão por ver agora o seu amigo. Que pergunta por ele. Que faz ali. E sobretudo voga em conversas simples do quotidiano sem pressas dos pormenores. Lembra-se de andar com ele numa carrinha do colégio, ou de lhe abrir as portas da secretaria onde tentava obter dados de alunos. Lembra-se, sobretudo, da simplicidade e da inteligência agora mais evidenciada na conversa simples, espontânea e natural.

A Páscoa já passou mas continua à espera da sua páscoa. Ele e os irmãos. E o pai e a sobrinha. E o cunhado. E as primas e o resto da família. Vidas suspensas. Todos temos um ciclo mas será este o último? As probabilidades médicas parecem indicar falência dos órgãos, mas a qualidade é boa, o que mente um prognóstico mais alargado sob pena de adivinhação. Mas tudo está comprometido. Menos a história completa. Porque assim o sol continua a raiar também na noite, e a presença constante no sexto piso do hospital, é mais do que um mero bálsamo para o pai. Aquele coelhinho. O seu.

Despede-se e vai jantar com o irmão. Em casa liga a televisão mas não há nada de interessante. Actualiza as mensagens no telemóvel e vai ao computador. Sorri perante as mensagens deixadas no blog e alguns e-mails. Quer agradecer e estar mais presente mas continua abúlico. Apenas as forças para deixar umas palavras de agradecimento. Sentidas. Muitas. E desejar uam tardia boa páscoa, mesmo sem ainda a ter tido. Continua a ser Quaresma. Mas não é Sexta Feira Santa.  E isso ajuda.  Como um dia de chuva miudinha onde a introspecção pela natureza acalma os impulsos ébrios dos verões desamainados. E sorve o cheiro dos lírios e das papoilas. E o silêncio redentor do local. Inspira todo esse ar e pensa: "Tenho de deixar uma nota de agradecimento a todos os que me seguem. Incluindo os que nao conheço".  Abre a página do blog e sai das palavras. Obrigado. Muito.