25.9.10

VIVER É SER COM OS OUTROS

Da pobreza material é importante falar. Da do espírito, talvez mais importante ainda. Ter dinheiro não é mau. Pelo contrário, é bom poder suprir as necessidades do quotidiano de maneira confortável, sem ter de contar cada cêntimo. O problema surge quando não são as pessoas a gerir o dinheiro mas este a gerir as pessoas. O dramatismo de muita gente realmente pobre não é assim tão visível e os seus protagonistas vão perdendo, com a dureza do seu viver, a capacidade de chorar e de sofrer. Quando a pobreza se converte em miséria, atinge-se o limiar da dignidade humana e seca-se por dentro.
Se eu falar da aridez da alma, da noite do deserto de tantas outras pessoas, a situação é a mesmíssima. A dor não é visível ou sequer mensurável, seja por um estado depressivo ou solidão, e com a dureza desse viver, perde-se a capacidade de chorar e seca-se por dentro. Na pobreza material é possível que o sentimentalismo funcione como uma forma de sensibilização, mas tem de haver uma base muito mais sólida de acompanhamento a quem sente ter perdido a sua qualidade de pessoa. No plano interior e não material, acontece exactamente o mesmo, ou como dizia Shakespeare: "Não é suficiente levantar o fraco; é preciso também ampará-lo depois".

De que serve ter posses para comprar os serviços do melhor médico do mundo se a medicina reconhece e anuncia os seus limites? Ter um carro topo de gama, se num acidente a vida for colhida? Uma casa fantástica, se o fogo, uma cheia, ladrões... a conseguem destruir em três tempos? E se os argumentos não satisfizerem, então reformulo: de que vale uma labuta incessante e diária como formigas que se afadigam no inverno e no verão como se o trabalho fosse a razão primeira e última da sua existência a que não se pode chamar vida? Vale essa luta diária até ao ponto em que tenhamos podido suprir as nossas necessidades diárias e pouco mais, ou cairemos, de novo, na ilusão de que ter muito dinheiro é ser-se livre e fazer tudo o que nos apetece. Puro engano.

Porque os amigos não se compram. Nem os sorrisos que nos confortam. Nem as palavras que nos ajudam. Nem a simples presença num inesperado momento de solidão e que fez toda a diferença. Assim como a mera diversão só faz sentido se não for solitária mas em jeito de partilha. Sem o Outro, qualquer outro, como se divertiriam as pessoas? De que lhes valeria o dinheiro se este não compra a Alegria, nem sequer a Felicidade que não passa de uma Alegria Continuada e de plena realização com o que temos e somos sem grandes aspirações e utopias ou individualismos ou egoísmos velados, mas de entrega, sorriso aberto, ainda que com o espaço de cada um mas que em si, é limitativo e castrador da realização integral de qualquer ser humano? Somos seres relacionais. Já aqui o disse. Capazes de vivermos sozinhos, equivale a sermos um deus ou uma besta, mas nunca um ser humano.

A Amizade será sempre um valor que não depende de cotações na banca ou de mercados oscilantes internacionais com ou sem crise. A Amizade e o Amor, são valores seguros, intransponíveis, inalienáveis, supremos, se forem testados diariamente na Presença e no desinteresse, na Partilha e na Alegria, e que se mostra também nas escolhas que fazemos na vida e onde podemos dizer o quanto apreciamos o nosso amigo, como que o elevando à categoria onde já se encontra. Porque ser Amigo é algo mais do que ser cortês; a amizade não é cortesia. E então, quando soubermos que o dinheiro é importante como veículo e nunca como fim; como algo com que podemos festejar mais, mas também compartilhar e não apenas ter, quais usuários que só objectivam o lucro e contam as moedas mesmo tendo muitas, sentiremos que é possível sermos Felizes... mesmo quando o não somos! Só é preciso estar atento. Porque é na Simplicidade e na Partilha que se encontra a verdadeira razão do Viver!