6.12.10

NATAL EM NÓS

Há uma falha no Tempo. São muitos facebooks, muitos twitters, muitos posts sobre nada, muitas quesilias encapotadas, muitos telemóveis, ipod's, portáteis e televisões. Muitas luzes de néon, muitos bares e cafés, muitas lojas sem nada, muito ruído humano. Muitas palavras debitadas de cor, muitos clichés, muita superficialidade. Quem é quem, onde e como? Faltam os coches da sinceridade e nobreza de espírito em vez dos bólides topos de gama. Falta o significado do gesto, de cada gesto, em vez dos rituais cegos e automáticos de cumprimentos e beijinhos e olás sem cumplicidade, encanto, ou delicadeza. Vivemos amassados por tanta informação, por livros e jornais, revistas e televisões, rádios e blogues. Desacreditam-se os valores genuínos que não mudam de pessoa para pessoa na sua essência. Cada um é que os rapta por falta de delicadeza própria. E de razão. Vivemos anestesiados no poder tecnológico, no bramir do dinheiro, na angústia do futuro e de uma velhice confortável quando ainda mal sabemos o que é a comunicação da alma. Falamos sobre tudo mas não sabemos nada. Somos ignorantes da nossa própria condição. Habituámo-nos à personagem e não à pessoa. Ostentamos cobardemente humildade e serviço, bondade e modéstia. Colocamo-las na lapela do ego mesmo quando não nos apercebemos logo disso, até nos confundirmos com o que desejaríamos ser e passamos mesmo a ser. A sinceridade passa a irrefutável certeza, o amor a orgulho, a ideia que fazemos de algo a convencimento, e rasgamos as estrelas até perdermos a mão no Infinito onde nem a noite nem a luz nem nada nos abre os olhos para a obesidade de seres informados mas pouco formados.

Vivemos numa sociedade de taras, de sociopatas, de emergência do ruído, de palmadinhas nas costas quando nos identificamos. Vivemos num Tempo onde juristas e psiquiatras são imprescindíveis. Não vendemos chocolate, como no filme. Nem emanamos inocência, como no Fabuloso Destino de Amélie. Não nos entregamos como em Thelma e Louise, nem supomos a dúvida como em Kate e Leopoldo. Sabemos de cor as lições do Principezinho, o "Amigo" de Vinicius de Moraes, ou algumas frases soltas do Dalai Lama. Comentamo-nos uns aos outros e falamos rasgada e abertamente em cafés e encontros programados porque não há tempo para nada como no coelho da Alice no País das Maravilhas. Patetizamos quem caminhe em sinal contrário, acreditamos no que nos dizem ao ouvido como sereias encantadas, somos cordiais mas pouco autênticos, julgamos sem receios e agimos em conformidade. Há um remédio em que ninguém já acredita e diz ser uma lenda. Porque os homens tornaram-se pouco pessoas.
Falta-nos conduzir o Tempo e não de ser levados animalescamente por ele. Falta-nos soltar as palavras belas e inconfundíveis como se fossem, pequenas fontes de água fresca e não uma sucessão verborreica a imitar um esgoto que a espaços convulsos deita água suja ao mar. Falta o Encontro. Aquele em que saimos de nos. O Encontro que não é escravo do tempo nem da razão nem dos interesses dos amigos.
Falta-nos a leveza de um pensamento leve. De nao sermos mirabolantes a cada gesto, a cada ideia, a cada situação, como se tudo tivesse de ter segundas intenções ou se todos desejassem fazer mal ao próximo.  Mas existe um remédio. Um remédio natural. Preenchidos na existencial necessidade de amar e ser amados, toda a nossa vida emocional se reequilibra e conjuga forças que já não pensávamos ou ousávamos ter. Amar não é apenas ser amigo. É ir muito mais longe no coração afectivo e amoroso. É olhar o outro como inteiro e não como parcial, já conspurcado por avisos e idéias que nos trazem como que digladiando fileiras num exército que não existe. Só se torna má pessoa quem não sabe, não quer ou não pode amar. Um amor que preencha e complete a essência que somos e para a qual fomos destinados, que nenhum Prozac, nenhuma experiência de vida, nenhum deus pessoal, nenhuma filosofia nem nenhuma energia cósmica, poderão alguma vez substituir. Esse Amor exige conquista e serenidade. O Santo Graal da sabedoria. Amor que pode ser o Dom da Amizade efectiva, desinterassada mas empenhada, ali, sempre presente e nao de quando em vez. O resto é a vida... com paciência para a levarmos, na cruz que temos de carregar, com a ajuda do Outro! Qualquer Outro! Um outro presente, que mitigue e faça sol mesmo quando chove. É todo um reequacionar da forma de viver. Porque nada valemos ou somos que não na entreajuda e na interacção. Fomos feitos para nos relacionarmos, e é desse saldo que resulta a plenitude do viver. Com tudo o que temos de melhor e de mais desonroso...