2.6.11

PS OU A CULPA INOCENTE



No séc XXI já não procuramos a verdade nos livros, nos filmes ou nas músicas. Passámos mesmo a ler os jornais como meros roteiros de hipóteses de verdade.  Neste mundo culturalmente tão pobre, esperamos que a televisão seja o altar da verdade. Mesmo que víssemos claramente o primeiro ministro a afogar-se num poço de mentiras, dir-se-ia que desistimos de pensar e olhar à nossa volta.





Só me pronuncio de forma evidente e destacada quando o objecto da questão é efectivamente um alerta gritante, um erro crasso, um atentado contra a dignidade e a pessoa. Não me costumo pronunciar activamente sobre as minudências diárias que a tantos agitam fervores reaccionários. Por isso, meta política ou religião, sendo algo óbvio e grave, não pode ser escamoteado com o argumento de que estes dois temas não se discutem. É claro que respeito com inteira propriedade os crentes da religião A ou B, de filosofias de vida, e de partidos políticos, mas não invalida a crítica sobre a matéria e não necessariamente sobre quem crê.

É o caso das eleições já no domingo. Sou apartidário, mas voto sempre. E voto no partido que na altura me parece melhor posicionado para a eleição em apreço. Mas sei que se fosse devoto de algum partido, teria a consciência crítica suficiente para não ser amorfo e votar só porque sim, só porque estava filiado ou costumava votar naquele partido. Por isso nem sei bem se faça uma crítica à política errática, perigosa e caótica de Sócrates, se às pessoas que, tal como nas últimas eleições legislativas e com evidentes tiques de autoritarismo e desnorte, continuaram a votar PS.  Ou seja, um político sente-se legitimado por toda a grosseria que faz, porque não é sancionado nas eleições, nem sequer na prática quotidiana! Tal como aconteceu  com Isaltino Morais do PSD (condenado efectivamente) ou Fátima Felgueiras do PS (na mesma situação), muitos políticos e detentores de cargos públicos continuam a ser alarvemente ovacionados como se a mentira, a corrupção, o engano e a falácia fossem valores universais da honra humana!

Não defendo políticas socialistas nem social democratas. Tal como disse, defendo aquelas políticas que em concreto e na situação específica me parecem mais razoáveis, já que nunca existe o óptimo em política pelos intrínsecos jogos de poder. Mas há coisas que me parecem óbvias com todo o respeito por quem professa esta ou aquela política mas de que não lhe tem sentido crítico. Foi a falta de atenção ao bem comum e a demasiada atenção aos próprios interesses que levou a esta situação de crise e aumento de pobreza. Mas se existem governantes e políticos que não se preocupam com o bem comum, não devíamos nós, os eleitoree dizer que só fazem o que querem enquanto lhes dermos o "alvará"? E que isso apenas o podemos fazer de maneira efectiva quando votamos, e não em ajuntamentos e afins por mais importantes que sejam?

O PEC IV foi chumbado por toda a oposição, mas se não tivesse sido chumbado hoje já estaríamos no PEC VI e a situação calamitosa de pre-bancarrota a que chegámos estava apenas adiada sine die sempre com  acusações de que o PS estava a fazer o seu melhor. É mentira: não estava. Porque houve o PECI, II e III e o despesismo e a arrogância política foi sempre inamovível!  O que aconteceu com esta situação em que nos encontramos, nada tem a ver com o PEC IV ou sequer com o chumbo: tem a ver  com a política dos últimos seis anos. No PS a culpa é inocente! Os políticos banqueteiam-se com o sentido amorfo do povo, e o povo concede legitimidade à sua própria pobreza!

Portugal faliu! Se não sancionar quem o levou a este estado (e não podemos invocar os argumentos da crise internacional inicial que foi uma óptima almofada para que Sócrates continuasse a descartar culpas da sua própria política), tenho sérias hipóteses de que a situação se volte a repetir. É que estão várias gerações hipotecadas com a actual dívida, sem falar no aperto económico e financeiro que ainda não chegou para todos nós (embora já sentido)! Não se pode deixar passar em branco uma situação destas. Seja de que partido for. É aqui que tem de entrar a atitude crítica, e não o seguidismo. A psicologia e a sociologia explicam muito bem este comportamento dos próprios eleitores em votarem como se fossem acéfalos: tem a ver com a sedução do líder, com a capacidade de driblar as palavras, de mentir descaradamente dizendo B quando significa A, e falando em C quando a realidade é D. Aos olhos e nas barbas de todos. Tem a ver com o endeusamento que lhe fazemos. Os demagogos arrastam multidões e José Sócrates é um mentiroso compulsivo onde apenas ele tem razão. E esta paixão cega do povo pelo líder, explica os resultados daquilo que em teoria seria um chumbo crasso deste tipo de governantes. Mas não. Qual violência doméstica em que o cônjuge é maltratado e nunca diz nada, aqui se passa exactamente o mesmo.

Estaria  a dizer exactamente o mesmo se a situação tivesse sido conduzida por Passos Coelho ou qualquer outro líder. Mas não foi. Foi Sócrates. Mentiroso, enganador, trafulha. Houve muita política errada e com consciência de o ser; muita engorda do Estado que nada tem a ver com crises internacionais ou culpas dos partidos da oposição. Isto são factos inegáveis que só os defensores acérrimos da mesma ideologia porque sim, defendem, qual advogado que defende o indefensável!

Sócrates dorme bem. Não tem qualquer peso na consciência pelo miserabilismo actual e futuro do povo. Mas na realidade o problema nao é Sócrates! O problema são todas as pessoas que continuam a votar nele. Tudo o que disser para além disto é redundância!

O Pe. Vieira escreve assim no Sernão: "Estais cegos. Ministros vede as obrigações que se descarregam sobre o vosso cuidado, vedes o povo, que carrega sobre as vossas consciências, vedes as desatenções do governo, vedes os enredos, as dilações, vedes os subornos, vedes os respeitos, vedes as potências dos grandes, e as vexações dos pequenos, vedes as lágrimas dos pobres, os clamores, e gemidos de todos? Se o vedes, como o não remediais? E se não remediais, como os vedes? Estais cegos".

E embora contra mim fale porque também sou objecto da gravidade deste governo, era bom  que ganhasse o PS com maioria absoluta, para que dentro de alguns anos viesse nova hecatombe lesa patria até à derrocada final. Mas as pessoas nada mudariam. Triste sociedade esta onde todos reivindicam, mas onde a capacidade crítica está tão inflamada de crenças, que ninguém sanciona nada nem ninguém.

Apetece parafrasear o Pe António Viiera e dizer: Eleitores: vedes tudo o que se passa e continuais a manter o sistema onde os próprios sacrificados sois vós: Estais cegos!