13.2.12

O AMOR É UM TRATADO DE ALMA


A raposa pede ao Principezinho para ser domesticada por ele.  Num primeiro momento ele nega, mas ela diz: "Se me domesticares, teremos necessidade um do outro. Serás para mim, único no mundo. Eu serei, para ti, única no mundo... A minha vida encher-se-á de sol... Olha, vês aquelas searas? Eu não como pão, para mim, o trigo não tem nenhum valor. Os campos de trigo não me lembram nada. É bem triste! Mas tu tens os cabelos de ouro. Quando me tiveres domesticado será maravilhoso, pois o trigo também é dourado e, quando o vir, ele evocará em mim lembranças de ti e amarei ouvir o ruído do vento nos campos de trigo". O Principezinho domesticou a boa raposa, mas um dia teve de partir.

"- Ah... - disse a raposa - Vou chorar.
- A culpa é tua - disse o Principezinho. - Não queria fazer-te mal, mas tu querias tanto que eu te domesticasse...
- Sim - disse a raposa.
- Então não te serviu para nada.
- Sim, serviu - respondeu a raposa -, porque agora tenho a cor dos campos de trigo"...

Esta é já, em si, uma pequena história de amor. A fragilidade da condição humana toca-nos mais quando a sentimos em nós mesmos ou no tecido humano de quem mais amamos. Repensa-se o sucedido à luz de uma experiência vivida e não teorizada. E guarda-se no nosso património imaterial, conferindo-nos maior sapiência de vida. O Amor não se define e muito menos se restringe à genitalidade. E vai desde o simples gesto para com quem está ao nosso lado, ao mais rubro coração de namorados. É um tratado de alma. É um cativar. "Eu não preciso de ti e tu não precisas de mim, mas se tu me cativas nós precisaremos um do outro" - disse a raposa ao Principezinho. Na primeira parte fala-se do óbvio, de que um não precisa do outro; na segunda, introduz-se este elemento do Amor. Todos precisamos uns dos outros. "Precisamos de mãe e de pai para nascer; são outras mãos que nos enterram". Mas não é deste "precisar" que fala o Amor. O Amor é muito mais do que um serviço. É entrega, doação. É dar a minha parte que acredita, que investe, que suaviza, que partilha, para também eu me completar.

Quando as pessoas se estendem nos consultórios, só quase a falar dos seus problemas pessoais, com a desculpa da gripe ou de uma qualquer comichão, estão a pedir amor. Quando os sem abrigo parecem zangados com o mundo, e atiram um piropo que nos deixa escandalizados, estão apenas a pedir amor. Quando a criança chora, não é só de birra. Mas parece, por outro lado, que hoje só valemos pelo que formos amanhã. Maximiza-se o valor de tudo o que é sensorial, dinâmico, quantitativo. Esvazia-se a pessoa da sua interioridade num mundo de estímulos alienantes consecutivos, a cada nano segundo. Também valemos pelo que somos hoje, agora. Valemos pelas mãos cheias de nada, também, porque o nada é quanto baste para tantos outros. Muitas vezes não sabemos o bem que fizemos ao Outro. Nem o Outro se apercebe do bem que nos fez a nós. Valemos pelo que pensamos, sentimos e somos, pelo que cativamos e deixamos cativar. Temos necessidade de amar, e até o mais intrépido homem tem dentro de si um lençol freático onde crê, mesmo que não apreenda no esgazeamento de existir, essa capacidade de amar e de dar.

Uma história de amor pode ser a da raposa com o Principezinho, que passou a olhar para os campos de outra forma, e por isso valeu a pena. É o mesmo que dizer "a minha vida ganhou sentido". É o Outro a chave da existência. É o Outro que lhe confere significado e, por isso, é no Outro que nos realizamos. Precisar, cativar, amar. É a chave homóloga da razão da existência. Com sorrisos ou com lágrimas, no fim, é sempre o Amor que vence, mesmo que chegue trilhado, espezinhado, sofrido. Porque foi amassado no coração do homem, simultâneamente pedra e folha. E o pior de tudo, é que muitas vezes leva-se quase uma vida inteira para se perceber que a não houve. E é o Amor o nosso rasto, mesmo depois de morrer. Precisamos, como a raposa, de olhar os campos e recordar algo ou alguém. HOIuve razão de existir. Ou, como escreveu Charles Dickens, "Ninguém pode achar que falhou a sua missão neste mundo, se aliviou o fardo de outra pessoa."  Precisamos de nos sentir amados, e é por isso que só o Amor dá razão à existência!