29.4.12

DRESS CODE DA ALMA


Da ópera onde exultamos e dos palácios régios que nos encantam. Da degustação de um aprazível gourmet e da vista panorâmica de um cruzeiro inolvidável. Da beleza de uma rara edição de luxo, e da memorável estadia numa belíssima herdade. Da casa de praia que se confunde com o mar, e da discoteca grandiosa com os melhores Dj's. De uma tocante peça de teatro, ou de uma inefável tertúlia onde as palavras são poesia. De uma magnífica exposição de pintura, ou de um concerto majestático que nos transborda de exultação... tudo isto nos massaja com tanta beleza a alma, que quase desejaríamos que a vida fosse sempre assim! Mas agora vê: de todo esse esplendor que nos faz sentir como príncipes ovacionados na sensação que o deslumbramento nos provoca, de tudo isto tão indizivelmente belo, nada sobra que não o efeito produzido na perfunctoriedade do momento, concluindo-se que é no continuum da vida e não nos interlúdios, que a massa que nos une à vida de forma permanente e desejavelmente feliz, se põe em contacto com os nossos próprios sentimentos e emoções, na convivência diária connosco mesmos se lá conseguirmos chegar, e que tantas vezes recusamos.

Desce a colina e vem saborear o manso vale. Larga as alturas e faz um voo rasante sobre o que faz os dias. Emerge humilde do pedestal dourado e encontra em ti as verdadeiras safiras. Porque se da pintura e da música, da representação e da poesia, dos monumentos, das esculturas e das artes que mais gostares e te fazem sentir sempre uns centímetros acima do chão, alimentando a necessidade que só o espírito humano reclama, e a ela devendo voltar sempre que possível, não esqueças, porém que longos são os caminhos dos que não encontram em si o recipiente inicial onde todo esse alimento se verterá, mas que por ser breve e de consumo imediato, não te conduzirá à continuada beleza dos sorrisos abertos e felizes, mesmo que às vezes sejam um pouco tristes, nessa paisagem humana cheia de dor e encanto.

Mas se diariamente adubada na solidão do pensamento, na ausência de um amigo ou na companhia dele, na alegre satisfação das coisas simples - como o sol que amanhece, os grilos que fazem coros nas searas, o céu que dança em cores de chuva e de calor, ou os gestos inesperados, como um abraço em dias de semana que tantos precisam e ninguém dá, ilegitimados como se sentem por não ser suposto dia de festa, quando afinal a gratuidade do afecto é em si uma festa e uma bênção que ainda mais alimenta a alma, como se de novo entrássemos na cores celestiais de palácios de pedra, concertos de música que abrem o espumante da energia, exposições que tanto revelam da sensibilidade dos artistas, ou a plácida contemplação do mar -, porque diariamente todo o teu terreno é adubado nas lágrimas que ninguém vê e nas alegrias que partilhas, qual criança em corpo adulto que não se importa com os códices sociais, e a cada instante permites aceder aos teus sentimentos e emoções na compreensão de ti, não precisarás calcorrear o caminho estéril, enganoso e longo da fugacidade das coisas, que ao contrário do teu, na humildade e no reconhecimento da grandeza que também a tens, te ditará naturalmente a bússola da felicidade.
                                                                                     
Não precisas de estar na colina, porque no mais alto estrato já te encontras, e as pedras de ouro não são só as que os olhos vêem, porque brilham mais quando não há festas, quando todos pensam que a vida é só ao fins de semana. Mas é então quando mostras que de todas as artes que se apreciam e elevam o espírito, a mais nobre a motriz de todas elas, é essa capacidade de ver um jardim molhado pela chuva, uma exposição quase vazia num dia de semana, um abraço a quem não se conhece, um concerto ou um jantar sem que houvesse repórteres à entrada, qual lágrima que não secou esperando o festim dos amigos pelo simples facto de que tu estavas lá...

Por isso, quando vires muita animaçao em festas dos mais diferentes gostos, devias sempre perguntar a quem lá está: costumas adubar sempre o terreno, ou vens só cá reclicar a plástica da felicidade? E se te responderem que sim, que nos outros dias do ano também o arado lá está, e as folhas esmaecidas são tratadas e cuidadas por peguenos gestos e prazeres, como um sorriso, um abraço, ou tantas vezes sozinho na solidão das suas próprias dores, então junta-te a eles, e dançarão no mais bonito castelo que algum principe ou fada jamais habitou, numa festa, exposição, tertúlia, dança, edição rara ou acesso exclusivo, porque aqui a brevidade do momento é, afinal, a continuidade da felicidade que já eras, no terreno sorridente de rosas formidáveis, que sorridentes contemplam sem dramas os seus próprios espinhos...