4.9.12

APONTAMENTOS SOBRE O SUPER HOMEM

É preciso termos consciência da nossa humanidade. Aceitar que somos vulneráveis, e que carregamos afectos contidos. A entronização do poder pessoal e da sua invencibilidade, conduz-nos à arrogância de tudo podermos, o que não sendo verdade, gera revolta e frustração. É uma negação continuada, que a tecnologia, a ciência e a moda, ainda mais legitimam! Gerir emoções e afectos é inteligência de vida, inteligência emocional, porque supõe a capacidade de me reconhecer falível e limitado contra todo o estereotipo e preconceito que empurram a fraqueza para as margens da vida; mas isso porque se tem como fraqueza tudo o que ultrapassa o meu poder, e não por na realidade ser algo menor. Se a minha leitura das coisas estiver errada, as minhas dioptrias humanas podem estar reduzidas, e não perceber a amplitude da realidade como ela é, e não como comparativamente a penso na valoração do mais, do melhor e do eterno.
 
Gerir emoções e afectos implica sair de mim para estar comigo, e a partir dessa realidade conseguida por uma visão mais limpa e abrangente, ser mais comigo e com os outros na consciência de que tanto devo conseguir os limites do meu máximo, quanto saber reconhecer esses mesmos limites. Pensemos no mito da eterna juventude, na frustração e perda de lastro quando a velhice já se acomodou e as capacidades físicas e mentais estão diminuídas. Somos mais, muito mais do que um corpo que se obnubila lentamente! Somos alma, somos pessoa, lembrança, força, rasto, criação, vida! Na realidade, não morremos: é o corpo que cessa funções. E até ao limite da nossa lucidez, gerir as ansiedades e os medos, a dor e a complexidade da vida, tem tudo a ver com esse património humano com que enriquecemos ao longo dos anos, e não com os momentos ou últimos anos que nos tiram o brilho que noutro corpo já tivemos. A mente não envelhece, e o espírito também não. Só o invólucro se deteriora. E confundimos isso com o resto, e baralhando as coisas, baralhamos tudo.
 
A consciência da nossa humanidade passa pelo dom que somos, mas também pelo reconhecimento das nossas fraquezas e do que é sensato e racional fazer-se ou não. Somos indissociáveis. Somos sempre os mesmos independentemente do papel que naquele momento vestimos, que pode ser o profissional, social ou meramente pessoal. Mas não nos devemos estancar em nenhum deles, já que tal equivaleria a sermos frios numa situação, e demasiadamente emotivos noutra, com o argumento de que naquele momento agiamos como técnicos profissionais, políticos, amantes ou doentes.
 
Incorporar o saudável riso (e só sabe rir de si quem é interiormente livre) porque fonte de higiene mental e vacina contra a depressão; ter uma dose enorme de humildade que nos retirará o pedestal real ou ficcionado em que tantas vezes nos pomos ou põem (e há tantos pedestais destes), e gerir com a compreensão da dor e dos momentos gloriosos tudo o que passar por nós, é, além de sábio e inteligente, profundamente humano...
 
Dizia alguém que não é a morte que nos separa, mas a ausência de amor. E sabemos também que é a perda de um sentido para a vida, a perda da dignidade e da esperança, que nos faz desistir, e não os problemas concretos que tantas vezes são muito mais reais nas nossas fantasias e medos, do que na realidade. Todos caímos e dizemos os maiores disparates em horas de sofrimento, de não aguentarmos mais, mas é também na aceitação activa da realidade concreta, e não na fuga que nega as nossas limitações, e nos tira o crachat de super homem, que nos reconhecemos humanos e, onde, finalmente, corrigimos as visões deturpadas dos nossos próprios conceitos.
 
Pertencemos uns aos outros, e é também por isso, que a liberdade individual tantas vezes chamada para arbitrar os nossos conflitos, é geralmente uma falácia do nosso suposto poder, porque só harmonizada com outros valores, tem legitimidade para representar alguém. 
 
Ser autenticamente eu, passa pelo riso solto e descontraído, pela humildade de que nada somos, pelo reconhecimento da efemeridade da vida, e pela simplicidade em relevarmos metade para vivermos outro tanto. E em cada dia, urgir a vontade de simplesmente ser...