17.4.14

PÁSCOA NUM ABRAÇO

Fiz anos há dois dias atrás. É data que não costumo publicitar e muito menos gosto das comemorações usuais. E, porém, as coisas acontecem. Quando nos tornamos veneráveis pela idade, é porque já assistimos a um considerável número de auto concessões e relatividade das coisas, é porque já não nos importam as minudências egoístas de tantos ou as vaidades veladas de outros. É porque já não importam as inanidades com que costumamos ornamentar a vida para nos declararmos importantes e famosos, com crédito na praça social. Retiramos, então, das ofertas de bondade com que nos parabenizam e daquilo que o tempo nos trouxe, as verdadeiras oferendas de amor e amizade, de carinho e de ternura, tudo isso que faz a vida pulsar no seu genuíno sentir, já que tudo o resto, mas tudo o resto, é tão desimportante na categoria das coisas porque somos seres de pertença, e realizarmo-nos sozinhos é uma miragem auto concedida. Claro está que só nos apercebemos melhor de tudo isto quando deixámos a idade infantil do ego social, quando mergulhámos em banhos de sinceridade e amor na importância do que vale e não do que pensamos que sim!
 
Ser alegre não é estar necessariamente feliz, mas carregar com um sorriso libertador aquilo que a vida não faz por nós. A felicidade é um estar bem consigo mesmo e com os outros, mesmo quando os outros nos desamparam e se fecham em si para não crescerem no gesto da aproximação e da maturidade humana. Também eles precisam de crescimento e amor, mesmo que o preço seja elevado em amadorismos experimentais.
 
Tempo de quaresma final. De Páscoa. Antes, Sexta Feira Santa! Cristo pregado numa cruz e o Homem tão vazio. Deus fez-se Homem e levou com a traição dos amigos e com a mesquinhez da natureza humana. Todos somos magoados pelos amigos, e pelas pessoas a que mais nos dedicávamos. Há sempre um coração fragilizado no meio das omnipotências do mundo. Mas tal como o amor é maior do que a morte, também o abraço é maior do que o abandono, e um sentir se faz novo mesmo em corações machucados.
 
 "Dedicação, doação, amor, amizade, ternura, inteligência, eloquência e liberdade", leio num postal que me é dedicado. Fico a olhar para as palavras mas é na simplicidade que me dou, como se um amigo atravessasse os orgulhos e me apertasse com força nos braços, e eu aceitasse o gesto porque o amor é maior do que tudo o resto. Como se um amigo me chorasse a infantilidade que se perdoa dos gestos, como se outro amigo me desse a mão num caminho de alegria sentida e continuada em tanto que se faz. Há tanto de libertador na comunhão humana do abraço. 
 
Páscoa é um sinal de grandiosidade e redenção naquele que optou por destruir a morte e o seu mundo. Só quando ressuscitamos na certeza de que é com o outro que nos realizamos e somos, que é no Encontro, aquele Encontro de alma, de gesto, de amizade e de sentir, é que se faz plenitude de viver!  E assim nascerem aleluias espontâneos como flores belas do campo, sem que jardineiros reais as tratem e, porém, mais belas do que essas!
 
Levo sempre comigo os amigos todos. E falo com eles mesmo na ausência. É nestes canteiros com a emoção plácida, mas também com o estremeção de querer ser novo, homem novo, diferente, melhorado e autêntico, que se semeiam as sementes que germinam em abraços e entregas que valem sempre a pena recomeçar...