27.9.14

HOMEM LIGHT


Leio: "Começa a ser difícil encontrar alguém inteiro e íntegro, que se entregue de forma completa, que arrisque e se arrisque como um todo. Sem nada a esconder. Talvez porque nunca tenham sido amados, não amam, e como não amam… não compreendem. Chegam a pensar que é apenas algo tão poético quanto irreal! O amor assusta! É certo que implica entregar a vida, sofrer. Mas é a única forma de chegar a ser feliz! Perto do amor, todas as outras alegrias são fingimentos. Há gente que não sabe onde é o céu…".
 
Remeto-me para a constatação óbvia da afirmação. Evoco uma amiga que vive com alguém porque sentiu credibilidade e palavra. Ligo-te às 9h, dizia ele, e lá estava a voz e o compromisso, quando ainda mal se conheciam. Existem identificações bastantes entre ambos para se partilharem, mas continua a ser saber com o que contam que os motivou a fazerem caminho. Não sei se é amor ou apenas uma ligação. Julgo que a minha amiga também não. Digo-lhe isso e ela responde que andar atrás de miríades e perfeições equivale a nunca ter ninguém. Assento. E na lógica conturbada dos tempos, o amor é mais do que paixão, o saber que alguém está ali presente, inteiro, verdadeiro, disponível, para nos abraçar e ouvir, para nos acolher em noite de tempestade ou quando se regressa de um dia de verão...
 
É a questão recorrente do homem light, no amor, na amizade, no trabalho e na vida... A relatividade suprema das coisas. Podia até invocar os reality shows. Um amigo diz-me que aquilo é só burrice. Eu acrescentei que burrice é a base; depois tem massa folhada servida com bimbice crocante, parolada cremosa, ausência de princípios estaladiça e um top de muita panca, sem falar da exaltação da infidelidade, do vazio moral ou da absoluta falta de tudo. É a formação humana em falta, apadrinhada pelos media sempre vorazes na condução superficial da vida, numa espécie de pedagogia ao contrário, tentando legitimar as modas e correntes apenas porque existem... Não são os programas em si, mas a nulidade transversal, a aceitação dos gestos, a incorporação da futilidade de tudo, como princípio a reger aquilo que cada um pensa que é...
 
Não se pode ser feliz se não vivermos em verdade e em amor. O Homem light está mais do que nunca presente em tudo, omisso e relapso, ondulante, serpenteando cinicamente no seu próprio vazio. É por isso que é muito bom podermos contar com alguém que sabemos que estará presente, depois da viagem ou da caminhada, depois do dia ou da frustração, a qualquer hora e momento, como uma extensão de nós que acolhe e partilha, que alegra e suaviza, num amor ou amizade que se constrói assim, sem equívocos, num sorriso presente mesmo quando não está...