3.7.18

SAGEZA E REIVINDICAÇÃO

Uma fila enorme à minha frente com carrinhos de compras a abarrotar. Uma senhora atrás de mim com três pequeninos artigos. Algazarra e reclamações. Pessoas quase à estalada. Digo calmamente à senhora com ar infeliz atrás de mim que, por mim, obviamente lhe dava o lugar, mas a fila é extensa e seria muito melhor para a senhora pagar nas máquinas automáticas, pelo que lhe pergunto se tem cartão e prontifico-me para a operação. A senhora quase se ajoelha em agradecimento. Por azar as máquinas estavam bloqueadas e lá consegui numa fazer as compras da senhora, um saquinho de pão, três maçãs e uma caixinha de qualquer coisa. Entretanto havia pessoas na minha fila a reclamar do meu carrinho abandonado, e um casal fazia-me sinal de que estava tudo bem. Despeço-me da senhora que não sabia mexer nas máquinas automáticas e que está profundamente agradecida, e corro para o meu lugar. Repito o que, aparentemente, já tinham contado, as pessoas acalmam-se, com mais alguns minutos acabam por falar de outros assuntos, uma senhora, a mais aguerrida, com ar de dondoca, acaba por se mostrar extremamente afável quando, entretanto, tudo parece mais apaziguado, a rapariga da caixa que estava a ser alvo de violentas críticas deixa de ser o centro das reclamações, porque insisto, em duas ou três frases sossegadas mas assertivas, que ela obviamente não tem culpa nenhuma, e que nos resta a todos esperar. E se a senhora dondoca afinal era tão simpática, e se as outras pessoas que tinham visto a senhora com os três artigos queriam ajudar mas nada faziam, e no fim as reclamações passaram a conversas de circunstância de situações particulares de quem intervinha, e a senhora de ar infeliz foi ajudada e sugerida para uma opção via verde, porque havemos de vociferar e deitar fel, quando não apenas aumentamos o stress e gastamos energia sem qualidade, como contaminamos o ambiente e nada resolvemos? E, se, no fundo, até são todos boas pessoas com zonas ocultas (as melhores) porque é que temos de ser nós a intui-lo e não elas a mostrá-lo? Precisamos de ser simples, mão amiga de ajuda efectiva, conseguir sorrir no meio da luta, e não sucumbirmos ao socialmente correcto da hermetização, de ser suposto andarmos todos macambúzios e austeros, reivindicativos e mal dispostos, outras armadilhas do ego que, pensando sempre em si, se esquece de que a fragilidade, os temores e anseios, os gritos de desespero e os choros escondidos, são denominador comum da natureza humana, e que não os precisamos nem devemos travestir em amargura e rancor. Só quem é livre, não se sente ameaçado por quem consegue ser feliz mesmo sem ser rico...