22.12.19

SUAVE MILAGRE

Eça de Queiroz tem um impressivo conto que desde criança me impressionou. Partilho apenas o final, com cortes, porque longo. É passado na Judeia e baseado numa história da Bíblia onde são apresentados os ricos e os prepotentes, que contrastam com a dor e a miséria de uma criança pobre e entrevada que vivia com a mãe num casebre perdido na serra, longe do povoado. Passa-se numa época em que a fama de Jesus se estendia pela Judeia e em que os poderosos e ricos o procuravam. Mas a acção principal desenrola-se em torno dessa criança que, apesar da descrença e desalento da mãe, acredita fervorosamente que só Ele o pode salvar.
"– Oh filho e como queres que te deixe, e me meta aos caminhos à procura do rabi da Galileia? Como queres que te deixe! Jesus anda por muito longe e a nossa dor mora connosco, dentro destas paredes, e dentro delas nos prende. E mesmo que o encontrasse, como convenceria eu o rabi tão desejado, por quem ricos e fortes suspiram, a que descesse através das cidades até este ermo, para sarar um entrevadinho tão pobre, sobre enxerga tão rota?
A criança, com duas longas lágrimas na face magrinha, murmurou:
– Oh mãe! Jesus ama todos os pequenos. E eu ainda tão pequeno, e com um mal tão pesado, e que tanto queria sarar!
E a mãe, em soluços:
– Oh meu filho, como te posso deixar? Longas são as estradas da Galileia, e curta a piedade dos homens. Tão rota, tão trôpega, tão triste, até os cães me ladrariam da porta dos casais. Ninguém atenderia o meu recado, e me apontaria a morada do doce rabi. Oh filho! Talvez Jesus morresse... Nem mesmo os ricos e os fortes o encontram. O Céu o trouxe, o Céu o levou. E com ele para sempre morreu a esperança dos tristes.
De entre os negros trapos, erguendo as suas pobres mãozinhas que tremiam, a criança murmurou:
– Mãe, eu queria ver Jesus...
E logo, abrindo devagar a porta e sorrindo, Jesus disse à criança:
- Aqui estou."