3.5.10

INACABADOS

Só. Comigo mesmo. Com uma plêiade multiforme de seres, ecoando  a minha voz no interior de um mundo paradoxalmente rasgado, vazio e compacto. Acompanhado nos meus projectos e aventuras, nas minhas emoções e anseios, nos meus devaneios e solicitudes. Largo os sonhos e empresto-me à realidade. Ser único comigo mesmo e com todos os que vivem comigo, sem mim, nas areias de dunas emprestadas e conhecidos dorsos de ventos não reclamados.

O viver remolhado como os peixes à beira mar, tendencioso, a escutar o que me escapa no horizonte de um búzio. Mas as grandes aventuras começam pelos ideais nascidos da unicidade individual, embora lamentavelmente contagiadas pela (des)construção de outros em si mesmos repletos de sagazes mundos. A vida é curta e duas vezes uma vida continuaria a ser pouco para o desbravamento das lezírias douradas e dos esverdeados oceanos em tons marinhos de um azul reflectido. Que somos nós. Teimosos mas reverentes. Sonhos em realidades que no limiar da perfeição a criação de nós mesmos se confunde. Somos uns contando ser outros e vivendo na esperança de hoje ser amanhã e de amanhã ser depois e do futuro ser agora e do passado se revelar por entre alucinações que pensamos não existir.

Eu não sou poeta, por isso morro subitamente num texto inacabado, mas da vitória que nos concedemos à realidade que não se compadece, vai todo um passo que guarda em si a fracção do Tempo. Senhor e rei, que molda o pensar, o sentir e o agir sem que alguma vez tenhamos estado a par da sua sapiência e da mão que nos empurra. Somos viventes diluídos numa existência paralela julgando ter em nós a sabedoria que os sábios cospem. Não porque se deleitem numa superioridade artificial, mas porque num esgar como quem identifica um sabor estragado e se recusa a degustá-lo como iguaria divina, cospem sem maldade ou arrogância o suposto alimento que seria fatal. Eis a humildade da semente.

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Um particular agradecimento sem demérito de ninguém, à Ailime, à Flávia, Com Senso e Natália cujas palavras (junto com todos os amigos que perdem tempo nesta pagina mas que recebo como ganho) me mimam e, qual criança, me deixam sentidamente reconfortado:) Ainda que as não mereça.  Obrigado por estarem (sempre) aí :)