24.2.11

DOIS LIVROS ÍMPARES

São dois dos mais belos livros que li ultimamente.

Da autoria de Jorge Tinoco, "O Mar de Paula" tem um final imprevisível e sublime. As palavras da narrativa centrada em mais de uma personagem, são fiadas numa sensibilidade acutilante e num estilo próprio, trazendo uma concepção de escrita que nos remete para um paraíso desconhecido. De facto, existe uma peculiaridade na escrita que a torna inconfundível e, provavelmente, será o ADN de Jorge Tinoco.

"Que me importa então o que sou, se tenho, ainda que transitória ou volátil, esta ciência sabida de que só a falta de amor e companhia nos assombra e adoece, nos atribula o vazio que em lugar de sentir interroga em demasia a intensidade do abraço? Que me importa, pois, quando por outras palavras o repito que, mesmo que eu fosse ficção, esta experiência da mulher e do afecto me bastaria para justificar a criação da vida? Por isso é apenas novamente o mar de Paula que revejo a esta hora bendita das gaivotas sobre as rochas!"

O livro pode ser adquirido on-line ou na Fnac. Encontrar estas pérolas é mister. Tal como este outro que me deu o mesmo prazer e trouxe a mesma beleza.
  
São as "Memórias da Rosa" da viúva de Saint Exupery, Consuelo. Descobri-o há pouco mais de um mês. Já foi editado há mais de dez anos e encontra-se esgotado na maioria das livrarias, apenas sendo possível encontrá-lo em alfarrabistas ou, eventualmente, na própria editora. Por isso, e porque penso o livro como uma falha no meu conhecimento e, mais do que isso, uma pérola de sensibilidade literária, não podia deixar de o referir aqui.

Consuelo viveu as loucuras da paixão e as doçuras do amor. Foi rosa, espinho estrela, e musa inspiradora do homem que conquistou o seu coração, a sua alma e a sua vida. Esse homem é Saint Exupery, um nobre europeu que viria ficar conhecido no mundo inteiro com livros de pensamentros filosóficos e, o mais conhecido, "O Principezinho". Foi a ùnica mulher do "Conde Sain-Ex" mas não a sua única paixão. O "Principezinho" cultivava rosas num planeta imaginário, enquanto ela sofria as dores da solidão, e as incertezas do dia seguinte nos relacionamentos de Saint Exupery.

É o relato, comovente, de Consuelo, uma salvadorenha, pequena e frágil que nunca foi aceite, nem pela família do marido nem pela sociedade que a considerava uma intrusa na vida de Saint-Ex., já então escritor conhecido. Difícil é encontrar adjectivos que possam qualificar de forma inequívoca, uma mulher que ciente dos obstáculos, procurou transpô-los e, numa amorosidade total, sobreviveu às tentativas de aniquilamento de sua personalidade, acalentada pelas lembranças dos tempos de felicidade e pelo fervor em ter, de novo, o seu "Tonio".

Na despedida, para a missão da qual "Tonio" não voltaria, - como suspeitar? a comovente transcrição de Consuelo: " Apertando-me em seus braços, quando me disse adeus antes de voar  a sua voz ficou nos meus ouvidos. Ouço-a como as batidas do meu coração. Ouvi-las-ei! - Não chore, meu amor, é belo o desconhecido quando vamos descobrí-lo..."

- "Todos os dias me escreverá duas ou três linhas e (...) " não estaremos separados porque você é minha mulher por toda a eternidade e nós choraremos juntos a distância dos dias que passaremos sem vermos as mesmas coisas". Consuelo passou vinte anos a chorar e lembrar! Certamente olhava para as estrelas e recordava as últimas palavras dessa despedida" (...) "dê-me o seu lencinho para que eu escreva nele a continuação do Principezinho. No fim da história você nunca mais será uma rosa com espinhos(...)"

Como refiro no início, a leitura destes dois livros, o primeiro num registo mais romanceado, e o segundo uma biografia com uma sensibilidade digna da rosa do Principezinho, levam-me a que tenha de os partilhar com o maior número de pessoas, porque aquilo que me cativa não é tanto a leitura em si, mas a carga poética, imagética e psicológica que eles comportam. Estes dois livros são exemplo raro disso mesmo.

"E, no outro lado de tudo, na outra metade do nada: o que será Susana, o que serão as miúdas, o que será Paula, o que serei eu, o que serás tu, o que seremos todos no coração dilacerado dos capítulos, no ventre insondável das páginas?"