8.2.12

DO QUE GOSTO



Gosto de arroz doce e de caramelo. De chocolate e de amigos. Os grandes. Os que se fazem presentes e confiamos neles, não por eles darem provas mas por sermos nós a intuir. Gosto de um piano dedilhado com dedos de sentir. De uma flauta que me transporta ou de uma guitarra eléctrica que transborda sons e ritmos de pujança. De algum fado e musica rock. Sacra e pop. Do azul do céu e do verde do mar. Da cor da madrugada e da lenha numa lareira antiga. De livros em estantes e armários, e do velho gira-discos. Gosto dos jogos de mesa com dados e peões. Do cheiro a terra molhada pela chuva e do cheiro dos campos com o feno aromatizado e os verdes convidativos. Gosto de me sentar a olhar as estrelas sentindo o cheiro sempre fresco e típico da noite, como um livro saído da tipografia. De dançar e de rir. Gosto de prosa e livros intimistas, de musicas e de filmes. Gosto do canto da sereia que deixa nos búzios o testemunho, até que alguém o acolha com olhos de criança. Gosto de viver tão estonteante quanto plácido e suave. Gosto de apanhar chuva, de me molhar e de sentir o vento, assim como gosto do sol quando não é abrasador e que, de mãos dadas no céu inerte, convida a tudo no verão. Gosto de amigos. Daqueles que não precisam bradar e rezingar para lhes darmos razão. Gosto de quem sofre. De quem abre o coração e lhe entra uma flecha. De quem acredita e é destituído. De quem investe e sai perdido. Gosto das lágrimas dos tristes e do sorriso apagado a tentar esconder convulsões de dor. Gosto de pessoas simples e sensíveis. A inteligência é um mero instrumento ao serviço da razão, e confio mais nas potencialidades de alguém com sensibilidade do que com mera inteligência cognitiva. Atrapalham o mundo e acham-se erróneas. Gosto de receber sms e de mandar também. Gosto de me deixar envolver pela música nos seus diferentes ritmos. Mergulhar nas ondas extasiadas que emanam, numa dança de sedução, de encanto e de vida.  Gosto de musicas prenhes de vida, como quando ecoam coros épicos no seu fluir, e toda a voz sobressai num grito qualquer que nos cabe descodificar. Mas também gosto de musicas tristes. E foram sempre os grandes sofrimentos que trouxeram grandes obras, grandes filmes, grandes musicas. Parece haver beleza na dor, talvez porque arranca do interior do humano, a essência sem nome com que vence a adversidade, mesmo quando "vencer" é aqui sinónimo de "perder". Gosto da velocidade e do ritmo, tanto quanto de um passeio a carroça! Não gosto do neutro nas pessoas e nas coisas. Gosto de me perder nos bosques e recantos, onde de repente aparecem fadas e duendes em mágicos pós de Sininho que me tiram dali o corpo e a mente. Gosto de amigos. Dos que humildemente acendem a vela para não acabar com a amizade. Não é a vida que separa os amigos. É a intensidade da amizade. O resto são desculpas. Dos que são verdadeiramente aquilo, mas porque intuímos, não porque mostraram. Gosto de flocos de neve e de passeios pelo mar. O mar, não a praia. Gosto do silêncio e da noite. Da tarde e das pessoas. Gosto dos amigos reais e dos amigos dos blogues que há muito deixaram de ser virtuais. E gosto, enfim, de abrir a alma e de ser, por mais insensato que isso seja. Por menos socialmente correcto que isso seja. Por mais que me queiram nos códigos do formal e do sorriso cortês. Amizade não é cortesia, e só trato por igual até sentir que sim. Que o outro é meu igual e não algo momentâneo, em interesse ou outra coisa qualquer. Gosto dos amigos que nos amam. Dos que estão presentes antes de chamar. Dos que dizem "dói-me a tua dor"... E nos códigos de passagem desta vida que não deixa de ser breve, levarei comigo um dia o cheiro da floresta chovida e da madrugada silente quando todos dormem. A musica dedilhada pelos dedos sofridos de emoção. Os risos soltos e genuínos da partilha e um coração pulsante de entrega, como algo que lateja de vida, mesmo aos pedaços e com cicatrizes. A imperfeição é uma marca distinta do Homem. Desde que tenha como garante esse sentimento nobre e sublime que afaga e descobre, suaviza e ama, sofre e contempla, depura e rasga-se: o Amor. Todo. Oblativo. Incondicional. O Amor. Simplesmente o Amor. Gosto de amigos, daqueles que se alegram e não dos que invejam. Daqueles que sentimos "estar". E sou de novo. Numa constelação própria de mim, onde me doo e sofro, onde me encanto e sou. Assim. Gostando.