2.11.19

DE CUJUS



Celebra-se hoje, o dia dos Fiéis Defuntos ("De Cujus", em terminologia jurídica) .
Ainda que mortos e, talvez por isso, dizem-nos consabidamente que o tempo é agora nosso.
Para isso, mais do que lembrar os mortos, é necessário reflectir sobre os vivos, e não na dor arrancada ao peito pelos que amámos e perdemos como se também uma parte de nós se tivesse extinguido, mas no juízo colectivo do socialmente correcto, nos cumprimentos e favores capciosos que fingem altruísmo e atenção, no passaporte obsessivamente carimbado com o visto da casa, do carro, do emprego e da família até à contracapa da reforma!
Se viver for isto, então mais do que lançar um olhar ao passado pela recordação sentida de quem amámos, há que atribuir-lhes o exclusivo da vida, porque se os mortos têm a natural legitimidade de nada poder fazer, nós temos a ínsita obrigação de saber morrer antes do dia final. Morrer não é extinguir-se, mas dar-se. E dar é um acto de amor, de criatividade e de Vida!
O que é isso de defunto? E o que é isso de fiel? Uma pessoa que soube fazer representar-se a si própria pela verticalidade dos seus valores e dos seus princípios? Se um “defunto” é um ser inanimado, então quase todos andamos em exéquias, e se ser-se “fiel” é possuir valores não domesticáveis, então a terminologia usada é uma homenagem graciosa.
A questão que se coloca não pende para os que desapareceram do nosso convívio, nem para a dor que nos arranca a alma por já não termos quem amamos, mas para nós que continuamos o fado da criação, seguindo exemplos, moldando atitudes, aprendendo o erro! A experiência faz-nos! A morte também. Afinal, que catálogo de emoções seguimos nós, ao ponto de hipotecarmos a vida? A que prescrições sociais estamos nós restringidos? À lógica do racionalismo puro? À moral egoísta? E tudo isto para quê? Credibilidade social?
Nada vale do que teorizamos na metafísica do viver. Nada vale sem o amor inteiro e não pluri-partido, como uma baby-sitter que presta atenção a todos e a ninguém! Porque como o Sol irradia o seu brilho e fulgor sem se importar com a sensibilidade de quem passa à luz, assim o Amor deve fazer, sem cuidar do egoísmo alheio. Muita gente foi ontem e vai hoje aos cemitérios, mas talvez, afinal, que os mortos sejamos nós.