3.3.20

LER OS OUTROS

Precisamos de saber ler nos outros as lágrimas escondidas, e as forças ocultas, as solidões disfarçadas, e as alegrias contidas!
Nas torrentes energizadas dos encontros, nas saídas onde estão todos e ninguém, há sempre um clamor que passa ao lado dos sensores internos, como uma baby sitter que, de ter o olho em todos, acaba por não ter em ninguém!
Mas as crianças estão vigiadas e saem ilesas de mais um dia, mesmo que não lhes tivessem percebido um outro sentir, outra postura mais macambúzia, ou sintomaticamente mais agitadas!
Assim são as variações emocionais no ramerrão da vida, olá bom dia tudo bem obrigado, e a chuva só se vê por dentro pintada com um sol garrido de muita alegria e actividade.
O tempo. Esse é outro espaço para a solidão da vida, sempre ocupados com tanta coisa que, no fundo, é uma manta que não tapa, mostrada como altivas cortinas de seda em cores clássicas e pomposas que escondem o pátio interior, envergonhado de tão pouco, uns suspiros, umas dores, uns pequenos feitos, e que, afinal, são o terraço para o mar onde o horizonte está num olhar, numa mão que dá, num abraço que aconchega!
Gosto de sentir a alegria dos simples, o riso de quem não dramatiza a sua própria dor, como se dissesse a si mesmo "shhhh, está tudo bem" e prosseguisse confiante na sua própria fragilidade!
Dos que olham e vêem, e sentem e dão. E no estertor de tantas vidas, encontram o caudal onde também se banham, envergonhados é certo, mas sempre prontos na prossecução da caminhada, cheia de sol e de luz, de amor e solidão, em canteiros diários que vão deixando a quem passa, sob a forma de um sorriso ou de um olhar, de uma palavra ou interjeição, rompendo com o anonimato de que só estamos disponíveis para quem conhecemos bem.
Gosto desses sem credenciais, os que nós intuímos como o Outro, e quebramos barreiras que nunca seriam desfeitas, como turistas muito agradecidos quando se lhes dão palavras abertas de circunstância. E não só.
E o mundo faz-se luz da noite vencida assim, onde, sem ingenuidade mas com inocência, deixamos de ser presença ausente a tanto alguém como nós...