Ontem o "Prós e Contras" na RTP-1 com Fátima Campos Ferreira, mereceu a minha reflexão (e a de muitos), mas não tanto na óptica de "sim" ou de "não", tal como as "alegações" finais fizeram crer com o Padre Vaz Pinto e o antropólogo Miguel Vale de Almeida (de campos opostos) de que se falava pelo simbólico, ou seja, todos concordam na não-discriminação de pessoas, seja ela de que natureza for. E é igualmente impressionante saber do número elevado de jovens na nossa sociedade que são encapotadamente homofóbicos ou simplesmente ainda não fizeram a transição completa para o estado adulto. Numa camada jovem supostamente mais aberta e tolerante (embora aqui não se trata de tolerância) é quando se vê uma mais acérrima defesa de pretensas homofobias sem olharem a outras variáveis. O que não deixa de ser sociologicamente estranho.
Discutia-se em concreto o casamento por pessoas do mesmo sexo. Falarei aqui da temática da homossexualidade - masculina ou feminina - de forma geral e abrangente, sendo que me parece legítimo o casamento (se assim o optarem) por pessoas do mesmo sexo, o que, a não acontecer, contribuirá para manifestações homofóbicas e manterá o preconceito. Ora dito isto, tenho para mim que as pessoas individualmente consideradas e como um todo que são integrando a sua sexualidade (e quando falo em sexualidade não me refiro apenas à genitalidade), podem ser heterossexuais (com inclinação no campo sexual para pessoas do sexo oposto), homossexuais (pessoas com inclinação no campo sexual para outras do mesmo sexo, sejam homens ou mulheres), e há ainda uma subdivisão que passa por outros tipos como os bissexuais (pessoas com inclinação no plano sexual tanto para os do sexo oposto como para as do mesmo sexo).
Digo "pessoas homossexuais" porque os termos "gay" e "lésbica" causam-me algum prurido, dado não estarmos a falar de marcas nem de coisas. Homossexual é o termo. Gay e lésbica parece-me depreciativo, ainda que o não seja dito com essa intenção por pessoas mais civilizadas.Todavia, há que descer ao concreto de algumas situações e tentar perceber a vida de algumas dessas pessoas que, para o serem, ou seja, para se realizarem em plenitude, necessitam de viver o afecto numa perspectiva psicodinâmica da vida, sendo que no caso das pessoas homossexuais parece haver uma involuntária hipoteca de amor.
Significa isto dizer que na complementaridade homem-mulher, nem todos podem entrar nessa união se o desejarem, pelo que se torna surreal ajudar a superar uma tendência quando ela é um estado natural. Ou seja, se se pode ajudar a ultrapassar problemas como o álcool ou a droga, por exemplo (podíamos falar no tabaco ou no café), o mesmo não é aplicável a pessoas unicamente homossexuais, porque enquanto que a questão da sexualidade é endógena, já os exemplos apontado são factores exógenos.
Uma pessoa com inclinação bissexual pode e deve optar por uma espécie de reencaminhamento da sua sexualidade (genitalidade incluída), numa comunhão plena de vida e de realização com o outro, mas a pergunta que fica no ar, é o que fazer com uma pessoa homossexual cuja orientação não é uma mera propensão, mas um factor estrutural da personalidade! Caso pretenda viver o amor, realizando-se afectiva e emocionalmente (como de resto todo o ser humano, já que o amor é dádiva e partilha), o que lhe resta senão impedir-se de se entregar a alguém, a menos que viva um amor platónico por interditos sociais?
Perguntava-me um (suposto) homofóbico psicólogo social uns anos atrás em início de carreira, o que haveria de fazer a uma pessoa que o consultasse, caso ele exercesse clínica. Respondi-lhe que teria de recebê-la como um técnico de saúde, e simplesmente ajudá-lo a descobrir a sua inclinação e forma de a viver se fosse esse o caso, já que a solução, de um ponto de vista científico, não é cercear o que de naturalmente existe em cada um, mas dizer à pessoa que se deve realizar sem quaisquer sentimentos de culpa dado que ela é estruturalmente o que sente, não pode invocar a volição, a não ser que faça da sua sexualidade uma genitalidade animal, e ainda assim seria apenas moralmente reprovável. Tal como esse psicólogo, muitos de nós fazemos um esgar às pessoas homossexuais, olhamo-las como alguém a tolerar ou a tentar desviar um comportamento, quando na realidade não tem outro para substituir. Isso é contra natura. E embora os homens coloquem mais entraves a Deus do que Deus aos homens, com toda a certeza que Deus, na sua infinitude e sapiência, ama e aceita a pessoa homossexual se o seu escopo for a realização plena numa comunhão de vida como qualquer heterossexual. O que a Igreja não aceita (e eu compreendo os argumentos dado que têm uma fonte) é o casamento tout-court, mas aceita a pessoa homossexual, como qualquer outra.
Em "De Profundis", um pequeno e intenso livro que é uma carta escrita na prisão, Oscar Wilde revela simultaneamente a alegria da vida e da partilha, o desespero da solidão e da traição. Enumera com uma experiência visceral absolutamente humilde, a fragilidade dos sentimentos, a força do perdão e do amor, e a baixeza da cobardia. Fala como o inocente injustamente condenado. “Os deuses são estranhos. Não são só os nossos vícios que utilizam como instrumentos para nos açoitar. Trazem-nos infelicidade através daquilo que há em nós de bom, de gentil, humano, amoroso. Se não fosse pela minha dedicação e afecto, não estaria agora a sofrer”.
Somos frutos de uma cultura e também vítimas dela, mas nem por isso devemos ser cegos. Um homossexual não opta sê-lo. Nasce assim. Exactamente como um heterossexual. O mesmo quanto aos que são bissexuais, podendo, esses sim, optar entre um elemento do mesmo sexo ou do sexo oposto quanto a uma comunhão de vida. Não intervém, porém, ao contrário dos heterossexuais, a vontade, pelo que ostracizar um homossexual, homem ou mulher, é o mesmo que culpar uma pessoa por ter um metro e oitenta. E diria mais: que sabemos nós do sofrimento interior de tantos deles? A possibilidade das relações afectivas e amorosas num casal homossexual tem uma série de óbices que a torna quase impraticável, a começar pelo sentir social que os marginaliza ainda que tacitamente.
Outra questão é a homossexualidade não assumida pelo próprio face a si mesmo. A assumpção perante a sociedade é outra história. Acaba por não se realizar no amor nem nos afectos porque nega a si mesmo a sua essência.
O senso comum é o pior inimigo que conheço: sentencia sem critérios nem ética que não um sentir e pensar colectivo e informe. Pode haver maior injustiça? E foi assim que entrámos num novo século: com a Internet numa mão, e a pedra lascada da ignorância noutra!