Não pretendo fazer a apologia do sofrimento, nem tão pouco um elogio, mas ao contrário do que muitos de nós pensamos, o sofrimento educa-nos para outros valores, outros prismas da mesma realidade. Por meio dele tornamo-nos mais homens, mais fortes, mas empáticos. Por meio dele aprendemos a nossa frágil condição humana, e paradoxalmente, é este diferente sentir que nos confia o mister de viver.
Nietzsche escreveu que “só o grande sofrimento é o grande libertador do espírito”, e Camus refere que é ele que ensina tudo! O próprio Cristo é a face visível do sofrimento, mas não de uma forma estóica ou masoquista, antes de uma força libertadora que provém do próprio sofrer. Não se fala aqui de coitadinhos, de curiosos, de reality shows, mas de acidentes reais do viver que, por sinuosas estradas nos levam a sofrê-los por inteiro, sem dó nem piedade, como o trepidar de uma bala de canhão. E sofrer faz doer, estigmatiza-nos até à medula, cristaliza as lágrimas e deixa-nos num longo e estéril deserto até à insensibilidade! Mas a nossa atitude perante a dor pode ser o passo de gigante que de outra forma talvez nunca déssemos. Exangues no sentir, física e psicologicamente depauperados, moralmente abalados, tristemente vivos. É talvez nesta fase de atitude de aceitação para a mudança, que se compreende melhor aquele frase de Sting: “how fragile we are”!
O jornalista Jean Paul Kauffman (que foi feito refém durante três anos em Beirute) escreveu depois da sua libertação: “Estes anos foram atrozes. Chegámos ao grau mais próximo da estupidez humana a que um ser humano pode chegar, mas quando uma desgraça assim nos bate à porta, temos de saber usá-la para fazermos marcha atrás, para, de certo modo, nos testarmos. O sofrimento revela muita coisa. É horrível dizê-lo, mas eu podia ter morrido idiota, se não tivesse passado por tudo aquilo”!
Estes juízos de experiência, tornam-nos focos transmissores de pacificação. Talvez aqui se compreenda a afirmação de que só os homens sofrem e os animais sentem dor. E fortalecidos pela não-lógica, podemos então ver os outros nas suas verdadeiras relações, e não já nessas aferições dogmáticas que apenas diagnosticam o exterior. Procurar o sofrimento é do mais patológico que há, mas saber aceitá-lo quando se interpõe no caminho, com uma atitude de resistência activa como quem procura retirar o que de produtivo possa haver nisso - por mais que o termo possa parecer estranho e desqualificado -, é sabedoria e inteligência de vida. Mas é, acima de tudo, a capacidade de perceber o sofrimento nos outros, por menos racional que possa ser a sua fonte, que nos deve remeter para a experiência humana da humildade. E, dessa forma, lutar até ao limite pela dignidade diminuída, mesmo nos aspectos mais desonrados.