A historia única e pessoal que cada um de nós tem não deve, não pode servir para justificar os nossos actos, mas para os entender melhor e assim tomar outra atitude Caso contrário, não aprendemos nada com a vida e, limitando-nos a constatá-la, acabamos por justificar os nossos actos.
Somos cerebrais, inteligentes e modernos. Sabemos tudo. Só não sabemos que somos farrapos da nossa condição. Socializámo-nos à exaustão. Engolimos pedaços de nós mesmos acreditados que estamos na ditadura do pragmatismo e da racionalidade.
Para além de habitarmos um mundo confuso e desordenado, legitimamo-lo pelas nossas acções e pelos nossos silêncios. Em nome do progresso, da mudança, dos interesses pessoais e de uma felicidade de plástico; em nome do dinheiro e do status, das conveniências e do orgulho, legitimamos o senso comum e chamamos de ultrapassado aquilo que deve ser imutável, como os valores morais e humanos regidos por uma ética, mas a que torcemos o nariz como quem olha uma peça de vestuário perdida num sótão e que teve o seu tempo.
A amizade passa a companheirismo, a honra a falsidade, a palavra a verborreia, o amor a sexo, a verdade a cinismo, a alegria a um espectáculo artificial. A tudo isto junta-se uma boa dose de know how social, um jogo de cintura encapotado com as mais nobres intenções, e vamos lá esquecer a ética, a moral, ou gestos tão desusados como a capacidade de entrega, o desinteresse e a simplicidade.
Tornamo-nos sarcásticos, violentos, depressivos e instáveis. Inalamos a poluição humana com um tal sentido hiper-crítico, que nos tornamos elos de uma massa escudada em si mesma. Somos educados para ter sucesso, mas não somos ensinados a amar. E imiscuimo-nos fatalmente na multidão anónima que, irónica e paradoxalmente, padroniza este modo de viver. Assistimos a uma descaracterização do ser humano. Ao contrário do que muitas vezes pensamos, a felicidade não reside na acumulação de bens ou na figuras de engraçados e espertalhaços que fazemos perante os outros. Precisamos uns dos outros. Como aquela frase que diz que precisamos de mãos para nascer, mas são outras mãos que nos enterram!
De que vale a pequena ou grande erudição se não formos capazes de gestos de amor? De que vale um dia de quarenta e oito horas de trabalho, se cavarmos depressões a médio prazo? De que vale, enfim, o nariz torcido, se quando nos atiramos para a cama no final do dia continuamos tão mortais como quando acordamos? Julgamo-nos omnipotentes e infalíveis. E um dia damos connosco a rir de tanto disparate... se formos a tempo. Basta ver a solidão e a desistência de tanta gente. Mesmo sem a admitirem. Outros acabam por viver virtualmente bebendo na vida dos outros...
É necessária a aprendizagem do Amor, mais do que a simples empatia da solidariedade. Ou seriamos meros filantropos elogiando aos nossos amigos os nossos actos. Para invertermos esta quase patológica realidade, não basta o QI; é necessário o Q.E. (quociente emocional). E esse é que é o verdadeiro passaporte para a condição de ser Pessoa. Porque a inteligência não faz uma pessoa. É a pessoa que se unifica e depura. Caso contrário, encontraremos doutores que são umas bestas, e pessoas simples do povo que são uns sábios. Pelo meio temos pedantes ou civilizados. Cabe-nos a nós actualizar as nossas decisões. Antes que nos desumanizemos sem dar por isso.