Este blogue fará um ano dentro menos de uma semana. Entrei incipientemente julgando as pessoas mais interiormente disponíveis, mais amigas e menos amargas, mas qual estúpida ilusão, aqui ainda se enfatiza mais o temperamento individual, com toda a liberdade e imunidade que a net permite. Nesta tensão entre o real e o virtual, em que numa ténue fronteira qualquer pessoa se pode tornar holográfica como vivendo uma autêntica second life sem se aperceber muito bem disso, podemos incorrer em falácias e erros pela absorção de tanta informação, tanta opinião e tanta perspectiva, que fundindo-se com as nossas próprias opiniões e pensamentos, desemboca numa amálgama pouco clara e difusa daquilo que verdadeiramente pensamos, do que realmente somos, e do cruzamento automático que o nosso pensamento processa entre tudo isso. Crescemos mas também diminuímos. Marcamos a nossa presença, mas nessa tentativa de não nos descaracterizarmos (o crescimento é contínuo, a evolução também, logo não pode haver uma descaracterização de algo que nunca se é por inteiro), acabamos irrevogavelmente por nos acharmos sempre os melhores.
Os blogues falam de quem os escreve. Por um lado os românticos, os que apelam à sensibilidade no sentido clássico do termo, os que pintam mundos idílicos ou conformam a dor a um viver penoso. Por outro os pragmáticos, os que parecem estar constantemente a puxar as orelhas porque se sentem tocados, e os que vão atrás sem se conhecerem de lado algum que não o meio virtual e apenas por essa lâmina de conhecimento, eliminam pessoas reais e julgam-nos pelo que lêem noutros blogues. O que aparenta, consensualmente, é! Há sempre, claro está, excepções. Há um mar de gente que vai absorvendo com um bom sentido crítico, uma boa dose de humor curiosamente necessária antes que se torne fundamentalista, e nem é romântico nem pragmático. Vai sendo o que as situações lhe pedem. Simpático quando estando bem consigo mesmo, eventualmente irascível quando a vida não lhe corre de feição, mas sempre com o dever de correcção, e não como quem destila instintos primários sobre pessoas que julgando virtuais, são muito reais.
Há também os extremistas que são do tipo “venha lá o mais pintado a ver se eu deixo”, e os curiosos que por natureza são os embaixadores do boato. Os racistas, que invariavelmente dizem não ter nada contra, mas talvez seja apenas o socialmente correcto... mesmo na web. Os cultos, que de tão cultos se esquecem de apreciar outras variantes da arte que não as que todos conhecem, nem que seja por catálogo. Os ateus, agnósticos e religiosos, onde nos primeiros se encontra uma aversão visceral a Deus (é o paradoxo de que enfermam), e nos últimos uma crença inabalável. Os reaccionários que gastam todas as energias a esbracejar pelo simples prazer de lutar e dizer mal (reflexo de uma vida mal resolvida, por mais que digam que não. (Reparem que quem é interiormente livre não ladra como os cães: critica com educação). Os pedantes, que continuam a pensar que a vida é uma montra, e os simples, que por vezes se ridicularizam com vaidades que quase os estragam. Os intelectuais, que pensam que a vida são só Saramagos, Manoeis de Oliveira e Mozarts (para além de teorizarem brilhantemente sem terem vivido nada), e os que vão lendo alguma coisa para mostrarem que sabem que a Torre Eiffel no verão mede mais uns centímetros por causa da dilatação do calor, como se este tipo de conhecimentos os instruísse em conversas de outro pendor!
Também há os hipercríticos, que como ninguém passa lá por casa, decidem eles fazer declarações solenes sobre tudo e todos sem margens para dúvidas. Os deficitários de auto-estima que por um mecanismo psicológico automático, transformam alguma frustração ou contida raiva de uma vida dura, numa superioridade que esmaga ou numa crítica hiperbólica como se exorcizasse dessa forma os seus próprios problemas. E as subdivisões podiam continuar indefinidamente, mas importa estarmos conscientes do que somos, para melhor conhecermos quem nos rodeia e melhorarmos o nosso quadrado de vida, ou seja, nem ignorante nem sabichão; nem intelectual nem simplório; tão-só seres humanos pejados de erros e glórias, e assim nos devíamos ver sem mais quês.
Muitas vezes pergunto-me quando será a minha vez de sair daqui. Da net. Da virtualidade que vicia. Da tal tensão que falo no início entre sermos reais e virtuais, entre não podermos deixar o mundo natural só porque conhecemos blogues mas não as pessoas, porque se no convívio diário isso é já um dado adquirido (a difícil descoberta de nós mesmos e dos outros) então pretender conhecer o outro pela simples leitura do que escreve sem o confronto pessoal numa transcendência humana que só a personalização permite, é redutor do outro e revelador da nossa suposta omnisciência.
Não podemos emprestar à blogosfera a vida que não temos ou que gostaríamos de ter (por isso falo em second life) e como tal sentirmo-nos bem porque nos elogiam, porque nos seguem, porque se tornam amigos de ferro (não serão de madeira apesar das boas intenções?), ou sentirmo-nos mal porque nos apupam, nos apoucam, nos privam da defesa, e por aí fora.
Pessoalmente já tive um pouco de tudo aqui na net. Desde a pessoa que se afirma acerrimamente amiga mas que depois escreve um post sobre mim como se me conhecesse de algum lado e como tal pejado de juízos de valor, permitindo os comentários de todos menos o meu (num gesto inqualificavelmente cobarde) induzindo assim os outros numa glória que não tem, àquela pessoa que vendo que começava a seguir uma série de pessoas mas não a ela, tenta apanhar todos os meus comentários para gozar e denegrir, passando pelas que tendo um amigo como conhecido há mais tempo na blogosfera logo lhe dão o crédito que pode afinal não ter, injustiçando assim o mais pequeno. Foram casos isolados mas que se pretendiam ramificar como células cancerígenas, perturbando o cunho que cada um pretende imprimir ao seu blogue, e no meu não há lugar à maledicência. Por isso o grosso do balanço é francamente bom. Aliás, é bóptimo :) E por isso inomeável :)
Ao expressar os meus pontos de vista, tento não ser abusivo nem perder a educação (ou netiqueta se quiserem) só porque devemos dizer tudo o que nos vem à mona e quem não gostar que passe ao lado. Tenho para mim que isso é infantil como uma criança que não se obriga a regras de cordialidade. Obviamente que da cordialidade à amizade vai uma grande distância mas é precisamente por isso que a cordialidade existe: não havendo um conhecimento profundo do outro, sejamos pelo menos frontais mas educados. Uma coisa não impede a outra. E a defesa irascível das nossas opiniões como sendo as certeiras, é sintomático de que necessitamos de nos afirmar por qualquer motivo que talvez nós mesmos desconheçamos.
Eu sou indefectível e irascível naquilo em que acredito. Mas entre defender aquilo em que acredito e desejar mal ao outro, vai uma enorme diferença e uma dantesca distância. E quantas vezes não vejo isso? Quem é perfeito? Mas entre os julgamentos que fazemos e aquilo que a pessoa efectivamente é, vai uma sobranceria que pede sangue, como se se regozijasse com os erros alheios, julgando sem avaliar, acusando sem saber, condenando por inveja, por oco ressentimento e até ódio. Tenho sempre muito receio das conivências e é quando penso que o meu blogue vai fazer um ano.
Se ao fim de três meses de nascido, este blogue deu para aquilatar aquilo que se supõe acreditado nas crianças mas pouco compreensível nos adultos, ao fim de um ano não deixo de rever que a blogosfera é uma feira de vaidades aqui, um espelho narcísico acolá, um reflexo destrutivo ali, mas também um espaço onde muitos aprendem a humildade pelos exemplos que vêem noutros (eu aprendi muito , e muitos deixam de ser tão orgulhosos e vão tentando traçar uma linha que divide a amizade da correcção e da justiça, e tantos outros que chegam ao encontro e dessa forma se tornam mais pessoas, porque o conhecimento é uma outra responsabilidade que aqui na net não se tem e por isso nos outorgamos tudo o que queremos).
Aprendi sobretudo que não devo ser tão naíve nem tão ingénuo como quando entrei. Há, efectivamente muitos dentes afiados, muitas personalidades complexas, e se há pessoas rudes e abrutalhadas da mesma maneira que existem as mais sensíveis ou vulneráveis, isso não dá ao primeiro tipo de pessoas a igualdade de se expressarem rudemente e mal educadamente só porque são rudes e mal educadas, na medida em que isso equivaleria a tratar de forma igual o que é diferente.
Este é o ano do Tigre que começa a 14 de Fevereiro (mais precisamente o ano 4647 da era chinesa) , e o ano 2759 da era Nabonassar que começa a 21 de Abril, e o ano 5771 da era israelita que começa a 8 de Setembro... mas para mim, este é apenas mais um ano, ou se quiserem, o meu ano, (como será o próximo) porque a construção do nosso edifício é diária, no bom e no mau, e apesar de tudo, e acima de tudo, continuo a acreditar na dignidade do ser humano, na valorização do Homem como pessoa e não como um conjunto de ossos, nervos e tendões, e embora nunca baixando as defesas e sendo irascível quando alguém comenta ou fala tipicamente mal de pessoas ou assuntos que mal conhece, continuo a acreditar que existem pessoas de bem e sabem frutificar pelo seu exemplo mesmo não o sabendo, ajudando-me a crescer... ou a tornar-me mais desconfiado.
É a natural complexidade do ser humano, mas já que nos preparamos tanto para os reveillons, devíamos também pensar se fazemos actualizações das nossas autocríticas, das nossas avaliações, porque podemos cair na confiança sistemática de que numa margem de erro o nosso será sempre o mais pequeno. E que a blogosfera não substitua o cheiro das árvores e o contacto com desconhecidos, como quem se cruza nos transportes públicos e existe uma energia colectiva tácita, ou uma abordagem inesperada por um gesto de ajuda pedida ou dada... para não falarmos dos amigos e familares, e colegas, porque não... Sem sermos ingénuos, devemos ser inocentes, sem sermos acríticos, não devemos ser cruéis nem julgadores.
Sempre me expus e incitei ao conhecimento, à Presença, ao Sair das Palavras, a uma construção e dádivas que talvez se tornassem mais fáceis por aqui. Mas lá constato que afinal não somos muito diferentes, e que a blogosfera é apenas um paliativo para uns, um hobbie para outros, uma tribuna de poder para outros tantos. Por mim, continuo a ser pragmático na defesa da dignidade do respeito... por mais que o outro tenha razão! E agradeço os selos que tenho vindo a receber, as visitas que me fazem, as amizades que já aconteceram na vida real, e assim ilustro um anito do meu blogue já na próxima semana, sem falsas modéstias nem vãs glorias. Não sou do tipo sorriso sempre presente sem conseguir mostrar que fiquei aborrecido ou magoado. E humanamente encontro tanta gente, mas tanta gente válida nesta rede blogosferica - que não deve descurar nunca a vertente pessoal e real-, que obviamente não podia ficar por aqui ;) Lá terão de aturar os meus estados de espírito, mas acreditem que sou sincero até à medula. A diplomacia, embora necessária, não faz o meu género. O oposto também não. Definitivamente.
Não podemos aprender a sabedoria. Temos de descobri-la por nós próprios, mas para esse caminho tem de haver requisitos: a humildade para aprender, o perdão para dar e receber, o amor próprio para aceitar os nossos fracassos e as nossas potencialidades, ou acabaremos por dar razão a Proust quando dizia que a amizade é uma mentira que procura fazer-nos acreditar que não estamos irremediavelmente sozinhos.
Ofereço pace makers a quem se cansou a ler, açaimes a quem me quiser já escrever comentários duvidosos, um sorriso a quem for amável, e um agradecimento a quem já conheço mesmo :)
A todos, o meu obrigado. Ou como diriam os empregados de uma loja "Volte sempre" :)