2.4.10

NA TUA CRUZ

Hoje é Sexta Feira Santa e o mundo cala-se. Ou talvez devesse fazê-lo. Antes de meditar nisso, porém, quero sentidamente agradecer as palavras de carinho e conforto relativas à fragilidade pela qual o meu pai passa no hospital, suspenso entre o céu e a terra, mas com esperança de voltar bem. Se o "obrigado" chegasse para agradecer as palavras deixadas, di-lo-ia agora a quem se dignou confortar-me directa ou indirectamente, mas apenas me curvo silente aos vossos pequenos grandes gestos. Agradecido no silêncio que as palavras não sabem agradecer. Assim o meu pai recupere, ainda que fazendo a sua via sacra durante ainda mais um tempo entregue aos cuidados médicos... e à sua própria resistência :( 

Deixo este pensamento e centro-me no acontecimento de há dois mil anos em que Jesus é condenado à morte. Pilatos solta Barrabás e entrega-O à mulltidão para ser crucificado.

Condenam-Te Senhor, na esperança de que assim acabarão conTigo. Quando se calar a grande Palavra inquietante que não cessava de pregar o amor, poderão enfim, retomar a sua vida tranquila. Estão longe de supor que a Tua Morte será a vitória do amor. Carregas a Tua Cruz, mas é para ti uma velha amiga, esta cruz com que te carregam os ombros. Há anos que a esperas, que aspiras ir ao seu encontro. Ela aí está. Aperta-a nos braços. A bem dizer, porém, o que Tu amas nao é o sofrimento; ele repugna-te tanto como a nós, mais do que a nós. O que tu amas são esses biliões de homens que por meio dela vais salvar e para os quais obténs a grande alegria que não acaba.

 Mas até lá, cais no caminho. As Tuas forças estão esgotadas. Eis perante nó o Todo Poderoso transformado no Todo Fraco. Quero agradecer-te a Tua fraqueza, a "fraqueza" de Deus de que falava o apóstolo Paulo. Um Deus heróico que levasse a sua cruz a cantar ter-nos-ia desencorajado. Mas vendo-te caído por terra nao hesitamos em aproximar-nos de Ti com um coração confiante. Tem piedade de nós, Senhor, quando o coração acaba por nos faltar, quando nas horas de extremo abatimento a Tua Lei nos parece demasiado pesada, quando o nosso amor é demasiadamente fraco. Preserva-nos do desespero insidioso que tenta invadir a nossa alma, quando não chegamos a amar-te tanto como desejávamos. E quando, finalmente tivermos compreendido que não podemos salvar-nos a nós próprios, faz com que venhamos procurar a nossa salvação junto do nosso Deus caído!

Cais pela segunda vez. Já nao tens a Cruz sobre os ombros, e o teu esgotamento é tao grande que uma simples pedra no chão basta par Te fazer cair de novo. Embora saibamos que sucumbiste no caminho, recusamo-nos, constantementre, a aceitar as nossas limitações, as nossas fraquezas, os nossos insucessos. Sonhamos, ainda, ingenuamente, atingir a nossa salvação pelas nossas próprias forças. É porque persiste ainda o orgulho, que tantas vezes o nosso desfalecimento nos provoca um tão amargo despeito. Ajuda-nos, Senhor, a saber aceitar-nos como somos, sem por isso renunciarmos a tornar-nos tais como Tu queres. Livra-nos de confundir santidade com heroísmo. Ensina-nos que o amor não consiste necessariamenmte em fazer grandes façanhas por aquele que amamos, mas em consentir, humildemente, em ser salvos por ele.

Cais pela terceira vez. E porque cais mais uma vez? Será que a lição é de uma vital importância e que Tu nos achas obstinadamente insubmissos? Na verdade, melhor do que realizar grandes coisas por Deus, é aceitar que o próprio Deus faça grandes coisas em nós.

Um dia, em pleno anfiteatro, a pequena escrava Blandina suportava as torturas com tal coragem, que os seus companheiros julgaram ver nela o próprio Crucificado, sofredor e triunfante. Faz-nos compreender, Senhor, que a fraqueza do homem, quando o Homem aceita e oferece essa fraqueza, é a custódia do amor de Deus.

Pregam-Te na cruz. Dizia o Teu apóstolo Paulo: "Doravante não quero mais pregar senão Jesus, e Jesus crucificado, escândalo para os Judeus e loucura para os pagãos". Escândalo também para Pedro, quando no caminho tentava dissuadir-Te de morreres. E contudo, é esse mesmo Pedro que, trinta anos mais tarde, em Roma, abraça a Cruz chorando de alegria, considerando-se indigno de morrer como Tu.

Loucura tambem para nós, que passamos o tempo a usar de rodeios com ela. Somos partidários de uma religião razoável, prudente, podenrada, equlibrada. O pior é que não é a nossa, não é a verdadeira. Onde há amor há loucura. Onde não há loucura já não há amor.

Ensina-nos a aceitar melhor a Tua morte a fim de que, em cada dia, a Tua Ressurreição penetre em nós, triunfe em nós.

Até lá, morres na cruz. Nao estoicamente, mas por  amor. Estás supenso nessa cruz, Senhor, e vêm as trevas. Dois mil anos depois a batalha do Amor continua em cada vida, em cada morte, em cada ressurreição. Mesmo quando recusamos a Tua cruz, mesmo quando nos instalamos na vida e fazemos dela o local de chegada e nunca de partida e o meio que justifica tudo.

Na Tua Cruz, Senhor, abriste o clarão da inteligência do amor. Aquela que trocamos pela esperteza dos dias e da omnipotência que não temos.

Na Tua Cruz, Senhor, suspensa a vida e a morte para lá do atingível.