Somos atingidos por tantos estímulos vindos de tantas direcções que acabamos por confundir o importante com o acessório, e o nosso filtro fica sempre aquém porque a aceleração da vida e do mundo é alucinante. E como o dia tem sempre o mesmo número de horas e a hora o mesmo número de minutos, entramos em automático sem peneirar e muito menos fruir com a atenção que tanto do que se passa, merece. Lemos blogs já quase na transversal porque são tantos os amigos; comentamos "en passant" pelo mesmo motivo; pomos uma bucha na boca pela manhã ou a meio da tarde sempre com os telemóveis entronizados, em permanente contacto com os outros numa permanente praça do mundo. Mas devíamos estar só à janela, já que implicaria dar valor ao que tem valor e atenção ao que merece atenção. As montras seduzem na rua, os carros passam como bólides de corrida, os passeios são um interlúdio de peões apeados, a televisão oferece mil canais, e com tudo o que isto tem de vida e de ritmo, tem também de um imenso ruído que convém subtrair sob pena de nos coisificarmos. Se der valor a tudo ao mesmo tempo, acabo por não estar a dar valor a nada. De resto nem o poderíamos fazer, já que os estímulos nos invadem literalmente a cada nano segundo. Maior se torna a premência de repensar valores, actualizar decisões e sobretudo uma capacidade de autocrítica sempre muito grande sob pena de nos tornarmos inconsequentes e ridículos.
São tantas as actualizações de tudo e de todos numa vida telecomandada, que nos esquecemos de ser nós mesmos e de parar para sentir a quietude, a brisa, a paz, e não sempre a rezinguice de que tudo vai mal (mesmo quando vai) hipervalorizando e criticando tudo e todos. Algo vai mal. Não se pense que sou alguém muito calmo e meditativo; não sou! Congrego tanta dinâmica pessoal, alegria e ritmo quanto um sentido quase contemplativo, e de amor universal. E dou comigo metido no mesmo mundo de todos os outros mas com uma parte que me reclama mais atenção do que aquela que podemos dar a toda a hora e a todo o minuto, e por isso acabamos por perder tanta coisa. E por isso amesquinhamo-nos sem darmos por isso e diminuimo-nos julgando ser pragmáticos e iluminados. Há que parar e orientar os estímulos noutra direcção, como uns óculos escuros em dias de intenso calor. Não conseguimos fazer a triagem de tudo o que interessa quando entramos numa livraria, numa loja dos 300 ou visitamos os blogues. Nem triagem nem atenção porque não conseguimos estar em todas ao mesmo tempo. É importante ouvir a cachoeira mesmo que antes ou a seguir tenhamos dançado freneticamente numa discoteca. Falar pessoalmente com alguém ou simplesmente connosco mesmos sentados numa relva de um qualquer jardim mesmo sem banco, ainda que falemos incessantemente ao telefone e por mensagens e por tudo e por nada. Comer um gelado e deixar perder o comboio, o metro, o barco, ou aqueloutro passar-me à frente, mesmo que tenha de acelerar aqui ou ali. Passar um fim de semana a dormir ou desligado de uma vida ensandecida, mesmo que a seguir se retome outra semana ébria de trabalho e preocupações. O nosso corpo precisa. A nossa mente precisa. E o espírito agradece. É que só com ele nos elevamos e podemos um dia dizer: com tudo de errado, de mau e de bom, ainda assim consegui viver e realizar-me como pessoa e não como funcionário social, egoísta ou colectivo. Porque realizar-me como pessoa não é o que supomos do status à realização profissional, mas ser inteiramente eu. Dizia Sto Agostinho: "se quiseres conhecer uma pessoa não lhe perguntes o que pensa mas o que ama"! Não podia sintetizar melhor...