Vem-me buscar no sabor da noite e na luz da lua que inunda a escuridão. Prova deste mar a sageza e o triunfo e o cemitério dos que sem querer engoliu. Chegue até ti a brisa de quem sente o abandono do sorriso em tristes semblantes que cavam linhas no rosto, disfarçadas como se fosse o passar do tempo.
O azul nem sempre brilha em tuas asas, o sol esmaece os raios entre as nuvens, e da pulsaçao das aves há uma febre que não sabes. Voando exangue, cai com sorte num beiral, ou perigosamente numa estrada, ou perto de algum quintal com cães e gatos em redor, mas sempre entregue a si, nas asas impotentes para ser. As andorinhas quase etéreas reflectem a perfunctoriedade do tempo e das coisas, e nesse espaço está também a tua febre de não conseguires a simplicidade dos lírios e o cheiro tranquilo dos ciprestes e dos álamos.
Quem estará atento à crianca perdida na cidade, ao adulto sem dinheiro nas horas imprevistas de aperto, ao passo lento dos que rapidamente caminham sós? No sabor da noite cuja luz da lua inunda a escuridão, vens buscar-te em inconscientes identificações que ao dia não confessas, açaimes sociais que a noite desfaz. Bendiz a noite e a lua, e a cada tarde brilhante e prazenteira manhã, a cada felicidade imensa de um dia tão belo, nunca esqueças que foi na noite que te sentiste livre, e onde as andorinhas encontraram o refúgio que lhes sarou as asas e as escondeu dos animais, e os semblantes tristes se revigoraram para outra passagem do dia, em conversas dos que nada dizendo, tudo comungaram em partilhas tácitas que só a noite envolve e amacia de um sentir que é universal: a necessidade da protecção e do amor na linguagem do silêncio colectivo que secundariza o dia e as tintas sociais para o acolhedor anonimato de quem está só...