12.8.12

VISÕES QUE DA REALIDADE SE ESBATEM


Sabes, ninguém me impede de me adentrar na praia e ali ficar a dormir sob o luar, turista mendigo com lugar que por direito lhe pertence. O mundo é a nossa casa, e esse jardim silente e belo é apenas outra praia em verde em copas de árvore sob o mesmo candeeiro lunar. São tão grandes as viagens que se fazem no silêncio, e tantas as pessoas que se reconhecem na mesma dimensão. Vejo-te ali a cumprimentar as ondas e a fazer surf em sorrisos rasgados de uma simplicidade que ainda existe. Mas não me posso aproximar nesse holográfico desejo de partilha, sob pena de perder a visão do teu lugar.

Conscencializar não estarmos sós nem sequer acompanhados, retira o misticismo da simpatia estrangeira que se esgota poucas vivências depois, e retirar-te-ia também a ti a imagem que tens de mim em holográfico desejo de aproximação. São os códigos do silêncio. Atiro-me a ondas breves de um mar encantado, e inebrio-me no cheiro estival da leveza que me transporta despreocupado e tranquilo em dias telúricos e quentes, e noites mágicas com a brisa da manhã.

Sabes, ninguém me impede de ocupar dois lugares no concerto da praça vazia nesta partilha de verão, ou de cantar num palco para um público sedento de paz, no meio das ébrias arritmias transitórias que destilam o ruído dos dias em versão colorida de outro cinzento solitário.

As águas encontram-se sempre no mesmo mar que desaguam, e não se sabe a percentagem do sal que derramaram. De rios, mares, lagoas ou praias, nada distingue a água de um iceberg desfeito de gotas doces que ali foram parar, e é por isso que a lua brilha cheia num baptismo constante de encanto na canção que o sol estende em sinfonias de brisa nas alegrias eternizadas do instante, até receberes estas imagens na praia ao pé de ti, cujo jardim abandonado foi palco de outra festa poderosa nos encontros tácitos que mutuamente se projectam, até que um súbito vento varre a areia e os arbustos leves do jardim. E, assim, acordando na terra outro dia programado, não haverá testemunho desta festa que todas as noites continua e todas as tardes se mantém, em sinais colectivos de empatia que mais ninguém vê no imenso areal borbulhante das algas frescas e limpas do teu olhar anónimo, em ausências voluntárias das presenças que lá estão...