22.5.20

DIA DO ABRAÇO

No dia do abraço que hoje se comemora, o que me preocupa com a novidade que vivemos e nos manterá em sobressalto algum tempo, é, que, se as pessoas já se tocavam pouco, já se abraçavam pouco, já se beijavam pouco - quando, por natureza, o Homem é um ser relacional, negando-se muitos às mais elementares manifestações de carinho e afecto em nome de uma veleidade pessoal de que não precisam de ninguém, constituindo uma mentira existencial para eles mesmos -, é que, com este novo "way of living", até ver, essas manifestações tão importantes, legitimem e justifiquem ainda mais uma sociedade já por natureza egocêntrica, fechada em si mesma.

Quando agora num velório do marido de uma vizinha que me viu crescer, e que, por isso, quer eu quer os meus irmãos somos para a senhora "os meus meninos", tudo tinha máscara e a devida distância, cuidando o filho e neto para que tudo se mantivesse asséptico, aproximei-me de máscara posta, mas aninhei-me junto a essa vizinha e abracei-a, assim ficando algum tempo porque entendi que, naquela situação, o silêncio com abraço faria mais sentido. De vez em quando fazia umas festas no cabelo ou no ombro, e o abraço manteve-se o verdadeiro discurso até a senhora colocar a sua cabeça no meu ombro por instantes. Era um risco calculado. E como já se passava algum tempo, eu mesmo olhei para o filho, que se mantinha sereno ao lado, e disse-lhe: "isto não podem ser só máscaras. A higiene mental também é importante".

Um abraço cura. Um beijo cura. Um sorriso cura. Revigora a energia psíquica, humaniza, pacifica! Mas muitos persistem na ostentação obtusa do "self made man" levando ao exagero a distância interior, e julgando-nos metidos numa couraça vistosa, sufocamos a nidificação da própria alma! No reverso de uma moeda guerreira, opulenta e forte, está sempre a fragilidade de um amor interrompido!

Um "estou aqui" é bálsamo, ansiolítico e antidepressivo na prossecução da caminhada, porque importante não é a rua habitual, mas os becos que nela desembocam. Calcorreá-los como quem se pavoneia numa praça, é aviltante da dignidade alheia; mas senti-los e percebê-los como únicos e diferentes, é ser digno de um santuário que, de outra forma, ninguém saberá existir. E há muitos pedidos mudos e envergonhados, recusando-se a admitir a fragilidade da condição humana. Cabe, a cada um de nós, saber pedi-los e intuí-los.

Até lá, o abraço e o toque de alma, não necessariamente como quem agarra um corpo, mas com quem também abraça por dentro, convoca emoções escondidas e obrigam a uma reflexão pessoal de descoberta. Porque é sempre na relação com o Outro que sabemos mais de nós, quer no processo individual de autoconhecimento, quer nos padrões mentais e comportamentais que nos levam à integração colectiva.

A auto análise e a redescoberta de nós mesmos nas potencialidades e limitações, estará sempre incompleta, se não se fizer também no processo relacional, mesmo naquele que possa incomodar, porque é nesse incómodo que o Outro nos provoca sem saber, que somos interpelados a descobrir e interpretar o seu significado, tal como é na sensação de bem estar e identificação interior, que damos pulos e avanços na assumpção de que, afinal, há tantos como nós, em caos e dor, mas também na capacidade directa ou tácita de que juntos somos mais fortes e nos amparamos sem o dizer, em sensações profundas de uma humanidade que se constrói e partilha e aceita assim, devedora da afectividade e da entrega, e credora de tanta beleza no deserto da alma que julgávamos ser o fim...

Viver reside essencialmente na tomada de consciência de que ninguém se faz sem o Outro, sem pilares básicos de interioridade e afectividade, na transcendência que também nos traz. E é neste estado que abraçamos o outro, numa dádiva suave de quem, ao tocar no outro com o corpo, ou por videochamada, mensagem escrita ou apenas voz, também o abraçou com a alma, porque é de dádiva, partilha e comunhão que se trata. E isso, faz toda a diferença. Como dizia Sto. Agostinho: "Ama... e faz o que quiseres"!

Precisamos de ir além de nós...
Que venha daí esse abraço, e esse beijo e essas lágrimas e sorrisos! 
É que só temos uma vida. Ainda que com muitos nomes.