31.1.21

DA TERCEIRA VAGA DO COVID


Resiliência, humor, auto disciplina, coragem, são termos que me ocorrem em tempos de confinamento.

Para além da razia na economia, e de todo o mal que provoca, com dramas pessoais e colectivos de gente sem dinheiro para comer, (quando tinham inclusivamente uma boa média de vida, e vêem-se subitamente sem trabalho e a ter de recorrer ao banco alimentar contra a fome, e a simplesmente quem possa ajudar, quase comprometendo a dignidade), outro dos dramas que a pandemia trouxe com o confinamento, foi a ansiedade, o stress e a solidão.
Um ano depois de acharmos que, por esta altura, já devíamos estar numa situação de quase normalidade, é quando estamos ainda pior, nomeadamente com uma terceira vaga mais virulenta e de novas estirpes com alvos mais novos, não já apenas os idosos com comorbilidades, mas jovens saudáveis em idade escolar até à população adulta numa média de 49 anos de idade.
Sim, as restrições atempadas no ano novo mas não no Natal, foram o gatilho que nos fez chegar aqui, não vale a pena dizer que a culpa é só dos portugueses que, obviamente, mesmo com regras tendem a incumprir, imagine-se sem elas, ainda por cima em alturas excepcionais como foi o Natal, e neste momento não seríamos, de longe, o pior país do mundo, é o preço da demagogia e de querer agradar a todos quando todos os outros países tomaram medidas e, por isso, se encontram agora substancialmente melhor do que nós, ou da teimosia ideológica em não salvar vidas só por não ser o sector público, o que é repugnante dado tratar-se de vidas, mas já que, um ano depois, estamos como nunca, é importante tomarmos as atitudes pessoais e colectivas correctas para enfrentarmos o drama que ainda está para durar.
Desde logo, é muito importante termos uma boa higiene mental, dado que o confinamento aumenta o nível de ansiedade, provocado também pela incerteza e pelo medo.
Podemos adoptar comportamentos simples como, por exemplo, não estar constantemente a querer saber notícias, que, naturalmente não são boas, mas são decorrentes de uma lógica instaurada e que perdurará todo o ano, embora gradualmente a melhorar também devido à vacinação, mas que levará o seu tempo até produzir imunidade de grupo.
É importante estarmos informados genericamente sobre o que se passa, particularmente as orientações da direcção geral de saúde e das autoridades locais, mas sem querermos andar a contar estatísticas e o número diário de infectados, recuperados e mortos.
Essa é uma obrigação que cabe aos media, mas devemos ser parcimoniosos no consumo continuado de informação ao minuto, não apenas porque aumenta a espiral de ansiedade e agudiza os casos de depressão, numa altura em que os nossos mecanismos de defesa já se encontram automaticamente em estado de alerta, trazendo nervosismo e stress acrescidos, como porque não nos permite a normalidade possível durante estes tempos que requerem estratégias pessoais e colectivas de redescoberta, avaliação e tranquilidade.
Outras ferramentas para serenar as preocupações que todos vivemos, vão desde a espiritualidade à própria racionalidade, para não entrarmos em estado de pânico ou ficarmos aterrorizados se se faz um passeio higiénico ou se leva algum animal à rua, havendo ventilação e máscara, ou pela oração, pelo mindfulness, yoga, práticas de respiração, de relaxamento muscular, do mero exercício físico, leitura, música, actividades lúdicas nomeadamente online ou com jogos de tabuleiro, workshops, rotinas diárias, sem esquecer não estarmos sempre sintonizados nos dramas diários do covid por todo o mundo.
Vivemos tempos onde, sem relativizar, mas também sem dramatizar, compete a cada um de nós pôr em prática os mecanismos que ache mais adequados para si na gestão pessoal do stress, até porque a mudança vem sempre de dentro, também na nossa forma de agir e pensar, de deixar fluir as emoções, de reequilibrarmos as variáveis à nossa volta pelas diversas ferramentas (e outras que cada um encontre).
Uma reflexão que inevitavelmente uma situação destas nos leva a fazer, mas nem sempre o consciencializamos, é a da ideia falaciosa de que temos sempre controle sobre tudo, de que somos deuses, invencíveis, e que não podemos parar porque a vida é um ramerrão sem descanso e onde não há tempo para nada. Pois agora há.
Saber usá-lo, é inteligência e qualidade de vida, primaziando muito do que fazíamos antes da epidemia, descontadas as limitações, e não em correntes nervosas de críticas e aumento de stress.
E a noção de uma humildade que muitos não têm precisamente pelo que acabo de dizer: julgamos que temos sempre poder e controle sobre tudo, mas a realidade não podia ser mais evidente e expressiva.
A covid 19 é a sexta pandemia desde a chamada gripe espanhola em 1918, e essa é outra reflexão.
O vírus não se extinguirá, como não se extinguiu o da gripe. Mas diz um relatório da plataforma internacional sobre a biodiversidade e ecossistemas, que leio ser um organismo que agrega especialistas de todo o mundo, que o comércio e consumo de animais selvagens, a intensificação da agricultura, a produção insustentável, têm aproximado a vida selvagem dos humanos facilitando a passagem de micróbios entre espécies. A perda da biodiversidade contribui também para tudo isto se não pararmos, se não abrandarmos, se não repensarmos.
Aprender a gerir tudo isto parece hercúleo, mas não é. Eu, que já por natureza uso muito as tecnologias, sobretudo via telemóvel em detrimento da televisão que praticamente não vejo, - e, por isso, com frequência revisito, por exemplo, o Facebook -, não deixo de usar o humor e o tipo de postagens de reflexão, fotos ou imagens, primaziando a naturalidade possível ao invés de continuamente lembrar uma situação em que todos, por demais, sabemos que estamos. Não é negar a realidade, mas ter a normalidade possível de desintoxicação. Escrevi sobre isto o ano passado talvez duas vezes e só agora escrevo de novo, considerando que a situação ainda está pior, mas é a excepção na normalidade que (não) pode haver.
O humor, é, à semelhança das sugestões que há pouco referi, apenas outra ferramenta para lidar com as situações, sem as minimizar mas também sem lhes conceder o exagero do pânico ou da paralisia pelo medo.
O contágio da higiene mental é imperioso, onde, além das várias estratégias que cada um vá adoptando, possamos interiorizar que aquilo que fazemos tem sempre repercussões, de que, ao contrário dos individualistas, somos seres sociais, somos seres relacionais e estamos sempre todos comprometidos...