23.4.21

"SER ADULTO SEM SE ADULTERAR"

 


Continuo tão igual por dentro.

A inocência continua cá; a irascibilidade no sentido de justiça e de verdade, continua cá; a ousadia de ser contra o agradar para receber apreço e de ser contra o politicamente correcto, está incólume; o sentido do diferente, do belo e do estético, mantém-se intocável; a entrega incondicional da amizade e da partilha, da simplicidade e do amor, não diminuiu; o amor pelos animais, - como quando estando de férias longe de casa com amigos numa espécie de colónia de férias, e fazendo um telefonema para os nossos pais, a primeira coisa que perguntei foi por uma galinha (alvo de risota geral a que o adulto presente respondeu "revela sensibilidade", embora o riso dos amigos me tivesse sido indiferente, estava mesmo preocupado se a minhas galinha estava bem -), mantém-se...
O condoer-me com novelas como a "Escrava Isaura" ou "O Meu Pé de Laranja Lima", "O Príncipe Feliz" de Oscar Wilde ou o "Suave Milagre" de Eça de Queiroz ... Hoje mais com pessoas e situações, mas também sem deixar de me emocionar em peças de teatro ou alguns filmes, ainda hoje a apertar-me o peito...
Emocionado, fico contente por me manter igual, por não ceder a nada do que não me caracteriza (detesto pessoas vendidas), e mesmo com uma espécie de tristeza ou nostalgia já na altura, mantenho-me um adolescente no entusiasmo.
E também conheço as minhas inseguranças, a minha fragilidade, e não sei porque aparento o contrário, mas talvez a firmeza das convicções e o catártico humor, aliados à espontaneidade e genuinidade, ajudem a explicar essa aparente contradição.
E Identifico-me com passagens como:
"foi o tempo que perdeste com a rosa que tornou a rosa tão importante para ti"
ou "não sou nada, nunca serei nada, não posso querer ser nada; a parte disso, trago em mim todos os sonhos do mundo"
ou ainda,
"Porquê eu?
Porque tu me viste quando eu estava invisível",
ou a história de uma senhora que pedia esmola, e um dia lhe deram uma rosa em vez de moedas, e que não tendo sido vista durante um tempo, quando de novo a encontraram e lhe perguntaram de que tinha vivido, ela respondeu: "da rosa"...
Já não sei se era Camilo Castelo Branco ou Guerra Junqueiro que dizia isto, e que não soe a falsa modéstia, muito pelo contrário, mas é o que me evoca ao ver-me com 11 anos, na casa de uma prima num aniversário qualquer, numa espécie de auto fidelidade natural: "crescer é tornar-se adulto sem se adulterar"...
Sou intenso, total, de águas profundas, descomplexado, simples, e tanto sou um cacto do deserto, resiliente aos meus próprios sofrimentos, quanto a mais frágil folha, pétala ou pena que uma simples brisa consegue apagar...