11.9.09

NOSTALGIA

Mar Adriático ao largo da Ilha de Capri


É noite. A música toca baixo. Lá fora ouve-se chover. Chover? No verão? Não há nada a fazer. É deixar correr a chuva pelos olhos e saborear o salgado do mar. Mar. Sempre o mar. Tudo acaba por ser possível. Deixou de haver transição. Verão-inverno. Febre-frio. Aventura-recordação.

É dia. Qualquer pessoa compra o jornal como disfarce da timidez e como companheiro. Olha pelo vidro do comboio e vê o mar, o seu próprio bafo batido no vidro. O tempo convida à introspecção. Folheia o jornal , lê e volta a dobrar. Passa-se pela manhã sonolenta no comboio, no automóvel pela marginal rumo ao nevoeiro conhecido. Oh céus como chove. Até a chuva parece um censor de pensamentos. No outro lado da linha, talvez um acelerador de emoções. Nostalgia. Uma sensação de voltar a casa quando já nos encontramos nela. A chuva, o mar e as lágrimas. Sinto-me anacrónico se traçar paralelos de existência vivida ou... não, não é isso. Posso ter a sensação de obsoleto, algo que caiu em desuso, como os valores, mas não é assim. Não existe anacronismo algum. Talvez sejam os outros que estao avançados demais e já espezinharam a verticalidade do ser. É como esta chuva: o verão não se pode sentir culpado apenas porque o Inverno decidiu espreitar ou nascer prematuro. Estão a ver? É a tal coisa das expectativas, das surpresas, das boas noticias, das inesperadas emoções fortes. Taciturno? Contratempos. Porque quero ser assim e sou assado, porque o meu dia há-de chegar com certeza, pleno de subtileza, solicitude e tranquilidade. Porque no Natal vai nascer o Menino Jesus e... Oh Menino Jesus, enquanto não és Homem e não padeces, sorri nos meus olhos, dá-me a esperança e sobretudo o conforto de dormir tranquilo e acordar com o coração a saltitar de esperança ainda que as árvores se abanem violentamente e o vento diga à chuva para reinarem os dois. Ah ano novo, tens de ser diferente, , ainda que seja por uma lágrima furtiva deitada à meia noite quando meio mundo pulula freneticamente e dança estrondosamente com cálices de champanhe e falta tão alto que...

Oh céus. Lembro-me passar na rua quando era puto. Uma mixórdia de emoções. Lá está o Daniel com o anorak azul e as calças igualmente azuis – olha agora para a livraria – poderei tocá-lo? Vou... vou correr o risco... Enxuto as lágrimas como moscas mas nasceu o choro e balbucio. Corro estrondosamente, deixo cair um expositor ao entrar na livraria. Estaco. Avanço um, dois passos. “Da...” quero chamá-lo mas não consigo. “Da...niel...”.

Ele olha-me com os seus olhos verdes cintilantes, alegres, confiantes. Fecho os olhos. E quando me vou abraçar a ele, tentando tocar em mim mesmo, aparece-me a mãe dele. Senhora linda que passou o tempo.

Nostalgia. Choro. Vento. Saudades. Mar.

É o código das estações em que estamos imiscuídos. O mar salta sadio numa ondulação viva e gritante. O universo assiste ao nascimento e morte de um ser humano. Puro.