20.4.11

E A ESMOLA ERA A ROSA


Da força do riso e da paz da contemplação sou feito e construído. E, claro, do Tempo. "Somos feitos de tempo. Os anos passam e o seu passar é o nosso espelho mais capaz. Os anos passam e são o nosso rosto". Sempre me concedi um dia D. O dia em que comemorando a entrada neste mundo, igualmente o tento serenar e compreender melhor. Dos olhares apáticos aos risos contagiosos; das mãos cheias de nada às dádivas gratuitas; da limitada compreensão do universo à incomensurabilidade do amor humano. O grande drama de hoje é pensar-se que, por termos disponíveis muitos dados da realidade já somos senhores dela. Mas há tantos prismas da mesma visão e tantos arquétipos mentais que nos condicionam. Não é pela origem pré-histórica da humanidade ou o irrecuperável primeiro minuto do Universo que nos conhecemos ou bastamos. Não nos conhecemos sozinhos nem nos bastamos sozinhos. O que julgamos ser óbvio, quase nunca é verdade. O que julgamos ser verdade, quase nunca é absoluto. O que julgamos ser absoluto, quase nunca é para sempre.O que julgamos ser para sempre, quase nunca vai além do amanhã. O que julgamos ser até amanhã, quase nunca chega até lá. Quando julgamos, quase sempre o fazemos com os sentimentos e sem ter o conhecimento de todo o contexto. Falta-nos compreender o que seja a transitoriedade da vida. Por isso, na grande maioria das vezes, erramos.

Lembro um conto em que uma mulher que pedia esmola um dia recebeu uma rosa em vez de moedas. Apertou a flor contra o peito e durante uma semana não foi vista. Oito dias depois voltou a aparecer no local de sempre e quando lhe perguntaram de que tinha vivido, respondeu: "Da rosa!". Nem sempre se dá só com ajuda efectiva, porque somos seres transcendentes, acima da mera existência. Esse Amor Mistério também se revela agora em Sexta-Feira Santa e no Domingo de Páscoa. Alguém escreve assim: "E não é porventura verdade que o facto de os homens não estarem reconciliados com Deus, com Deus silencioso, misterioso, aparentemente ausente e todavia omnipresente, constitui o problema essencial de toda a história do mundo"?

Não acredito na reencarnação, mas na renovação interior. Não chego a Deus pela higiénica razão mas chego ao homem pelo amor, e se ele é imaterial não será essa uma forma de chegar a Deus? Da solidão da cruz à vitória como que contida da ressurreição. O mesmo em nós: da solidão existencial, da solidão dos dias, do desalento da luta, das dores interiores ao fulgor e ao brilho da partilha e da alegria. Um dia hei-de ser eu, e em cada momento que o for direi que afinal o fui sempre quando despido do socialmente correcto e aceite, para entrar na força da rosa que alimentou a pedinte por uma semana. Se sairmos de nós, damo-nos e, se nos dermos, entramos na dimensão para a qual fomos verdadeiramente criados. Ninguém se faz sozinho; ninguém se basta; ninguém se realiza sem a partilha e sem o Outro. E mesmo em momentos de tão grande austeridade, é sempre o outro lado que conta. Porque as moedas podem ser poucas hoje ou mais amanhã, mas a rosa não se pede nem se dá com crédito. Nem a rosa, nem a amizade, nem o amor, nem nada do que não é susceptível de avaliação material. Há uma fonte em nós que teimamos em fazer secar, remando incessantes num mar cheio de adamastores que nós construímos. Como sempre, só a partilha pelo riso aberto e franco e a serenidade para alimentar a alma nos dão o passaporte para a plenitude de uma vida que se quer Vida e não mera existência. De outro modo, fugimos de nós e dos outros, escasseamos o Encontro, e a vida perde sentido. Há que renovar sempre o pecado de acreditar na vida... Boa Pàscoa! :)