8.10.12

EXPRESSO DO ORIENTE

São quatro da manhã num terraço de hotel, mas podiam ser nove da noite num comboio em andamento. Perguntam-se a noção de felicidade ou uma palavra que a defina. Ser amado, responde ele, sentir que gostam de mim, que me querem bem, porque mesmo nas agruras da vida e nos momentos de desencanto, é exactamente essa noção de amor e pertença, que confere a força necessária para atravessar a tempestade. E todos o abraçam num sentimento colectivo de correspondência interior, braços sobre braços a afagar a alma. Para mim, diz ela, a felicidade é jantar todos os dias com os meus pais, naquele pedacinho tão simples e trivial de partilha e união. Ele comove-se porque Deus decidiu fazer um jardim com as flores que eram suas, mas aplaude a grandeza do sentimento que se subssume nas coisas mais simples como esta que ela disse, e um novo abraço colectivo beija a alma dando cor. Para mim, diz ainda uma outra, ser feliz é sentir um abraço. E em coro novos braços a envolvem. E sucessivamente há uma paragem no tempo que eterniza o momento, e com ele todos os outros em que foram na simplicidade do gesto a alegria interior do encontro. Nada disto se repetirá, foi único, refere um outro amigo que consegue esconder um poço de entrega em aparente fortaleza, ainda assim humanizada.
 
Os caminhos  fazem-se assim, de mão dada na alma, e mesmo quando nas ruas dos cheiros e sabores, das fotos e das cores e de toda a descoberta que os lugares oferecem, ele compadece-se dos homens que terraplanam o jardim, e das mulheres vestidas com pás e vassouras a limpar ainda cedo os desperdícios dos turistas, e a compor a cidade. E mesmo com o Bósforo, o Sava e o Danúbio, e outros belos entardeceres, sente sua a dor calada de um pai abraçado ao filho deficiente; de dois invisuais amparados na amizade que calcorreiam a linha do eléctrico, e vê-se a si mesmo a vogar por qualquer canto da cidade, como criança perdida num mundo pouco de amor, até rir e brincar nessa inocência adulta que o tempo não roubou, e se despedir em lágrimas invisíveis de um sentimento indefinivel, como quem tem um hiato por suprir.
 
Do Oriente chegaram os reis magos, mas também ali se fez alquimia! Foi a magia da amizade, como uma viagem num expresso. E nunca se viaja realmente se não tivermos sido tocados ou se não tivermos chegado ao outro. Mesmo que em modo expresso. Tão rápido quanto humano. Tão belo quanto interior. O expresso do oriente.