12.11.15

DO ESSENCIAL


Antigamente não existiam dias tão descaradamente belos de sol que revezassem com chuva, vento e frio. Ainda existiam as quatro estações e raramente se fundiam. Hoje, só falta comemorarmos o Natal na praia e termos Inverno em Julho o que, parecendo impossível, vai tendo toques de verdade. Também assim nas nossas vidas. Se é verdade que nos devemos coerência, como as quatro estações, não é menos verdade que devemos actualizar as nossas decisões, não estarmos sempre apegados aos mesmos prismas da realidade, crer, acreditar que da mesma maneira que a um dia de chuva que parece precursor de outros tantos intermináveis, pode advir um belíssimo dia de sol, que nem a sempre errática meteorologia consegue prever.
 
Somos mais responsáveis pela nossa felicidade do que pensamos, e transferir para o dinheiro e a materialidade das coisas o bem estar psicológico e moral que todos ansiamos, é deslocar a própria felicidade para depois nos queixarmos que a não temos. As melhores coisas são sempre gratuitas e imateriais. Um abraço, um beijo, um sorriso, a delicadeza dos gestos, a sensibilidade, a gratuidade dos actos, o amor...
 
Queixamo-nos muito da infelicidade, e se hoje a culpa é do dinheiro, amanhã é do trabalho e depois de amanhã de outra coisa qualquer. Pode muito bem acontecer que sejamos nós a própria culpa. As projecções que fazemos sobre as coisas e as pessoas, podem corresponder a exacerbados desejos de utopia, sob a capa de que só aos outros bafeja a sorte. É verdade que tantos de nós precisávamos de uma ajudinha divina, um empurrão, um sinal, oportunidades, mas não entrando por esse caminho onde delegamos em factores exteriores a nós a felicidade, como sem passar as dores do crescimento, certo é que podemos ser mais felizes do que aquilo que na realidade somos. E, aqui, os exemplos clássicos de olharmos para o lado e vermos como estamos melhor do que pensamos, aplica-se integralmente, porque atados a uma cama de hospital, portadores de doenças crónicas graves e limitadoras, privados de amor, paraplégicos, invisuais ou com os dias medicamente contados, é que vemos que a nossa praia é grande e bela, e que com paciência e amor para connosco mesmos, sem contudo jamais cairmos na altivez do endeusamento do eu, seremos muito mais felizes do que aquilo que supomos se tivermos tanta coisa que só na fantasia delirante da nossa intrínseca insatisfação, achamos que sim. Tal como estes dias, belos e azuis, onde no dia seguinte não se vê um raio de sol e chove imenso, tirando proveito da beleza do sol e da luz, e da quietude e introspecção que a chuva miudinha traz em dias que podem ser acolhedores se os olharmos assim.
 
Lembrando o dito, se de noite chorares pelo sol não verás as estrelas. E tal como nem sempre é na materialidade que se encontra o bom da vida, também na tomada de consciência do que são as nossas efectivas necessidades e não meros caprichos confundidos nos apelos hedonistas que nada nos acrescentam, está a sabedoria de viver.