Amar dói. Faz crescer, apaixona-nos, dá-nos vigor, mas dói! Porque amar é partilhar, empatizar o mundo do outro, saber gerir afectos num tempo continuado. Porque amar é sentirmo-nos interpelados no mais profundo do ser, na razão da nossa existência, no marasmo da nossa vida. Amar dói porque é sempre difícil respondermos racionalmente a apelos sentimentais e instintivos, porque somos seres demasiado bem feitos para algo que seria tão natural e espontâneo: o acto de amar!
A verdade é que somos carne mas também somos espírito. Temos um intelecto que nos dita a razão, mas também temos uma alma que nos insufla do sentido do belo e sublime, do transcendente, do indefinível, de eternidade. É também por isso que amar dói. Porque nem sempre sabemos conviver com estes nossos espaços, com a candura de um sentimento e o pragmatismo da acção. Porque somos seres maravilhosos (talvez demasiado), e por vezes somos subitamente incrustados numa rocha que não sabíamos existir, rebentando um mau humor ou uma indisposição que não sabemos explicar. São zonas racionais e afectivas que se interpenetram e criam uma espécie de redoma vazia da personalidade. Quando isso acontece não sabemos amar, confundimos amor, sentimentos e emoções. Tentamos pensar, articular razões objectivas, e vemo-nos momentaneamente incapazes. É porque existe todo um mundo emotivo que nos comanda e que só ultimamente lhe começamos a dar atenção, provando-se, assim, que a razão é um mero instrumento, nunca um motor.
Amar dói, porque também se ama sem se amar efectivamente. Uma espécie de amor platónico em que muitas vezes o objecto do amor não sabe que o é. Isto confere maior fragilidade ao sentimento de quem ama e, consequentemente, inflige-lhe sofrimento. De resto, existe todo um emaranhado de comunicação gestual, verbal e tácita que leva dois seres a sentirem-se atraídos, retraídos, intimidados, repulsivos, amistosos, cúmplices, empáticos... ainda que sem motivos racionais ou aparentes. Depois não nos podemos esquecer que o princípio é sempre um tempo muito delicado. É para muitos a necessidade da sedução. Enfim, somos assim. E por isso o amor traz sofrimento. Não seria natural dizer que estamos apaixonados à razão dessa paixão e não a diários estéreis? E todavia, não é verdade que a sedução é a embaixatriz por excelência do porto do amor? Mas ainda não é tudo! Há como que um código de silêncio que se for quebrado antes do tempo, inviabilizará quase irreversivelmente um projecto de vida. E, no entanto, não devia ser assim.
Não me refiro à sedução sensual que objectiva momentos de prazer. Refiro-me a uma relação que começa nas teias emotivas de cada um e que pode não ter, (apesar de também poder ter) a ver com uma relação carnal. Não se nutre a amizade do amor? Desinteressado, oblativo e incondicional? Aqui, como nas relações passionais, quando as águas se agitam no fundo por um barco que passa, dá-se a impressão da calmaria à superfície, para não haver manifestação de interesse real. Mas ele existe. Se nos mostramos interessados, os outros tendem a achar-se melhores, mas se ninguém emitir sinais de interesse, acabarão por platonizar. É uma espiral que só termina quando o silêncio é quebrado no momento oportuno, tendo porém presente que nunca sabemos quando é esse momento. E como as circunstâncias não são sempre coincidências (o que, a existir, seria uma óptima fada madrinha que infelizmente não existe), acabar-se-á, nuns casos, por sentir a dor de um amor não partilhado, ou de reeditar o sucedido noutra versão, com tudo o que tem de improvável.
Por isso, o amor dói. Porque somos esquisitos e orgulhosos para querermos sempre dar a impressão de que os outros é que precisam de nós, e que nós, só por acaso, também não nos importamos de estar com eles. Ora, ora! Amar dói porque não sabemos admitir que na fragilidade da emoção não há fortes nem fracos, mas a partilha do amor que passado pelo filtro da razão e do social, recusamos a nós mesmos.
Reflectir sobre o amor é encurtar a distância que vai entre o pedestal em que tantas vezes pensamos estar colocados, e a alegria de uma comunicação espontânea. É não ter medo de sentir. É por isso que o amor dói. Porque preferimos argumentos de defesas doentias. Não somos capazes de dizer “venha daí esse abraço”. Não somos capazes de transmitir que nutrimos simpatia ou algo especial por alguém. É compreensível o medo da recusa num plano amoroso, mas não aceitável para enjaularmos a nossa capacidade inter-relacional, e em última análise, hipotecar o próprio amor. Amar dói, porque não queremos reconhecer que não somos só matéria. E antes que as defesas nos turvem a limpidez do afecto, que tal reaprender a amar?