O sonho. A utopia. A realidade. O mito. O irreversível facto das ambiguidades personalizadas à exaustão. Uma estátua feita de beleza ou fealdade. De mistério ou encanto. De tristeza ou alegria. Uma estátua que nunca sabemos de que é feita porque somos nós quem a modula. Porque a estátua somos nós.
Na noite encontro-me e sou. Visiono a amplidão universal, uma simultânea sensação de... De. É noite e tudo envolve. Porque a noite acaricia, lava, adestra, prepara, suaviza. Por vezes o tempo declina sem que o esperemos. Mas também se esfuma com suavidade, um toque bonito limpando-nos velhas recordações.
Por vezes apartamo-nos com longos brindes de amigos que riem muito, bebem muito, e prometem muito ficar em contacto. E, por vezes, qualquer período de tempo acaba serena e tranquilamente a Emoção, como a palma dourada da árvore morrendo no chão almofadado de outras folhas então viçosas, mas nem por isso menos belas. É como ouvir a música de um piano tocado por mãos sábias de sentimentos de vida. Fragrâncias desertas de alguém que espera.
E desejo. Desejo de ir mais além e conquistar o próprio eu. Somos todos tão frágeis. Somos todos tão vulneráveis. Mesmo quando o não admitimos.E por isso mostramos correntes douradas de uma ferrugem que também é nossa. Não é bonita a foto a preto e branco? O sulco da velhinha que sorri com o olhar? O disco sujo de dedadas e pó, mas confidente de madrugadas e tardes solarengas que ensinaram lições de manuais por escrever? A fachada da velha casa, porta de madeira, janela com cortinado, habitada por corações e pessoas. E não o condomínio, a vivenda habitada por luzes colocadas em cima de quadros, iluminando cantos de escadas, arquitecturando espaços onde vivem seres frios?
A noite tem o seu tempo de existência e é ignorada. Mas ao alvorecer, foi ela quem modulou as plantas e se tornou natural confidente, mesmo de quem o não soube. E, todavia, deixando-nos o seu manto preto mas amigo para um azul ostensivo de glória oscarizada, não colhe de reconhecimento: deixa que seja o dia a agradecer as pétalas abertas.
Desejo de percorrer montes e vales da cosmogonia interior. De quebrar o insólito camuflado e partir para nenhures com a febre de viver na mão. Não são seis da tarde mas quatro da manhã. Vigília refreada pelo espírito.
Mais uma morte. Mais um sonho.
E no todo-nada de uma vida, a perfeição de outra dimensão.
Mais uma morte. Mais um sonho.
E na estalactite desse Amor universal talvez fique gravada a minha estátua.