21.3.09

OS POETAS DE VERDADE

A propósito do dia de hoje - Dia Mundial da Poesia


Que estranhos seres são estes que vindo ao mundo e percepcionando nas entrelinhas, esfumam a sua existência numa vida que o não foi? Que seres humanos são estes, que engolindo forçadamente a solidão se enclausuram desterrados num mundo que não é deles? Que génese vivencial faz os poetas de verdade e não os institucionais? O que lhes faz correr nas veias o delírio do autêntico, a anarquia do social? E que pacóvios somos nós para lermos poesia como quem compra um romance? Não é verdade que o romance ficticia mundos e situações mas a poesia rasga o próprio sentir? Somos analfabetos dos alfabetos dos outros. E a coisa complica-se quando parece não haver correspondência entre signos que eventualmente nos pudessem aproximar dos demais. Um poeta é um louco, um suicida, um errante! Será? Pode ser uma xamã moderno, um feiticeiro antigo, um demiurgo!


Diz Brandhey que devemos aprender a guiar o nosso barco pelas estrelas e não pelas luzes dos barcos que passam. Talvez que os poetas já nasçam cegos às luzes dos barcos que passam, e por isso guiam o seu pelas estrelas, o que equivale a dizer que se demarcam do convencional, não porque pretendam uma ruptura, mas porque sentem assim. Tudo se torna tão insignificante para um poeta. Um poeta de verdade. Não um institucional. Não há padrões, presentes rígidos. Há futuros incertos, futuros passados, excessos do vazio, da incomunicabilidade e do sentir.


Escreve assim Agostinho Baptista:

“Envelheço. As minhas mãos levantam-se velozmente para os cálices, para as suas flores de envenenada magia à volta dos amigos. Os amigos que já não estão aqui, diante do mar, nesta tarde que passa. Recordar é morrer. Porque no rosto daqueles que já não vejo, nas sua canções desaparecidas, eu também desapareci”.

Eu não sou poeta, mas sei que os loucos é que mudam o mundo, cravam-lhe contornos como a chamar uma serenidade que para outros é loucura.

Eu não sou poeta, mas pairam sobre mim visões do mesmo mundo. E respeito. E intrigo-me, e atribuo à alma tamanha dimensão. Talvez seja isso. Os poetas são pessoas inacabadas porque lhes brilha muito o espírito. Mas metidos numa pele desconfortável, não sabem que o são. E desacreditam quase tudo. Porque a vida não o é, quando o mar é azul e outros o vêem cinzento. Quando não sabem que são já, eles mesmos, centelhas de eternidade.

“O que vejo já não se pode cantar. Espero que o vento passe... escuro, lento... então, entrarei nele, cintilante, leve... e desapareço” – diz Al Berto.

Ninguém me encomendou um epitáfio, mas a todos os poetas, os poetas de verdade e não os institucionais, o bom Deus saberá acolher no regaço da incomensurabilidade.