20.3.09

A VISITA DO PRINCIPEZINHO


Sentei-me num pequeno recanto da noite olhando as estrelas sem pensar em nada. Hipnotizam-me naquela quietude. Penso em tudo. Fervilho de ideias. Mesmo sabendo que nunca as porei em prática. Não sou tão forte quanto me julgam.Lembro-me de alguns gestos insignificantes na minha vida paciente e, sorrio-lhes, como se vivesse da Esperança ou de uma fatal ingenuidade.

- Os homens não entendem o poder da simplicidade; só cuidam da ambição...
Apressei-me a levantar-me e dirigi-me na direcção da voz .

- Foi no verão – prosseguiu a voz débil e doce. Foi no verão que caí aqui, já há muito tempo, e passei um ano entre vós. Depois recolhi ao meu asteróide para onde levei a minha ovelha e a minha rosa. Foi também no verão que um dia o meu amigo que me desenhou a caixa para a ovelha, deixou o corpo e passou junto de mim. Sabes, as crianças que encontrei estavam todas muito diferentes, e os adultos que vi eram ainda mais estranhos do que as historias do Antoine. O mais triste é que parece que é tudo verdade. Acho que o meu amigo Antoine vai ficar contente quando souber que o pôr do sol lá no meu planeta pequenino, vale mais do que os interesses dos homens.

- Não, eu não sou o Antoine, não sou tão inteligente, nem nunca te teria conseguido ajudar como ele o fez. Ele era perspicaz, e mesmo estando perdido, era um génio. E tu... Ah, de ti não se fala. A tua sabedoria, a tua simplicidade, o teu próprio mistério...

- Os homens vão entendendo o importante com as experiências do mal – volveu o Principezinho. Faz apenas parte do processo. Mas quando perceberem o valor de se estar preso a alguém, compreenderão também melhor aquilo a que chamas mistério. Até lá, só precisam de cair umas quantas vezes, talvez muitas, porque são muito orgulhosos e teimosos, mesmo os que dizem que não, e nessa altura, mais do que a minha ovelha ou a minha frágil rosa, será a beleza do amor eterno a tomar o seu lugar.

- Ah, Principezinho, mas o teu amigo já não está cá... – disse-lhe eu tão triste, que quase lhe pedi para me levar com ele. Mas ele brincou com os dedos pequeninos, sorriu-me quase traquinas, e disse como que a repreender-me:

- Daniel, eu deixei o meu corpo porque era muito pesado para um planeta tão pequeno. O Antoine de Saint Exupery fez a mesma viagem... Só uns instantes... e já está. Novas estrelas tomam conta de nós, e então seremos tudo aquilo a que estávamos destinados... ...Olha, está a amanhecer...Estendeu-me a mão e ficámos sintonizados num silêncio de paz.

Toda minha ansiedade desaparecera, como quem relativiza outros acontecimentos depois de perceber o que é realmente importante, e as suas mãos esfumavam-se das minhas, toscas e cansadas, à medida que o alvorecer se tornava mais forte. Alguns frémitos ao longe certificavam o raiar do dia, e as estrelas que tinham permanecido fiéis ao encontro, transportavam o Principezinho numa música que só o silencio conhece.

Da próxima vez, se o encontrar, vou-lhe pedir como se arranja força para viver num mundo que não é nosso.