2.6.09

DESSACRALIZAR A RAZÃO

Roma, 2008

As emoções são o motor vital que impulsionam – para o melhor e para o pior – todo o nosso modo de agir. É inegável a carga que a emoção produz em cada um de nós, ao ponto de se poder configurar situações que nos tornariam afectivo-dependentes ou sem domínio real da vontade (sem que para isso haja qualquer espécie de lesão orgânica). Na realidade, medir a inteligência do Homem descurando o animus, a fisiologia de um todo, é o mesmo que julgar alguém por uma acção isolada que não caracteriza um comportamento habitual. Os testes de QI em pessoas com resultados elevados desaprovaram milhares de candidatos ao emprego, tão-só porque mediam, por grelhas padronizadas com bitolas métricas, relegando por completo a forte componente emotiva que nos rege.


O império dogmático e avassalador da razão desumanizou o Homem, precisamente porque não compreendia no seu estrito âmbito, o factor da ponderabilidade emotiva, objectivando um caminho lógico e demasiado racional. Aquilo que a Psiquiatria e a Psicologia explicam, era disfunção, anormalidade e doença para o homem racional. Felizmente que a ciência com passo de gigante no conhecimento dos enredos intra-psíquicos e emocionais, compreende os mecanismos que nos despertam os mais variados sentimentos, com respostas orgânicas desastrosas ou curativas. Cientificamente seria difícil demonstrar o não-racional como algo tão natural e intrinsecamente nosso, já que, socializados que somos, ou há normas consensuais de actuação, ou na falta desse comportamento haverá lugar a perturbações como os distúrbios psíquicos. Mas não. Pelo estudo aturado do comportamento humano, vemos vários ramos das ciências humanas (particularmente a Psiquiatria, como mãe da Psicologia), a fazer luz sobre as zonas mais recônditas do eu. E são essas zonas que teimosamente pretendemos desligar do corpo, como que negando as próprias emoções ou aceitando-as num plano puramente inferior e secundário. Na realidade, são essas as mais intensamente actuantes. Pessoas muito pacíficas e de temperamento calmo, podem ter zonas de agressividade que nunca venham a descobrir, e que todavia interferem num fluxo inconsciencializado de actuações pessoais. Há depois todo um mundo de processos psicológicos do qual não nos apercebemos imediatamente, mas que materializamos de forma automática: racionalizações, sublimação, transferência, recalcamentos... e são essas zonas que inter-agem com aquilo que pensamos ser meramente racional.


António Damásio pôs em livro o seu contributo na pesquisa dos fenómenos naturais, e Daniel Goleman vem falar-nos da Inteligência Emocional. Temos de ter em conta, sem dúvida, todo o edifício da personalidade, e não nos determos no falacioso império do racional como sendo a nossa caixa negra. Não é. Se nos lembrarmos há uns anos da derrota de Kasparov frente ao computador Deep Blue, será fácil compreender tudo isto ainda com mais clareza. O computador usa uma lógica pura, normalmente binária, para um (in)determinado número de jogadas feitas e previstas. Não se cansa, não teme resultados, não sofre de sudação, não existe para além da função com que foi programado.


Atender às emoções, é sabermos (com a naturalidade que não queremos assumir) que a razão tem razões que o coração conhece. E se conhece é porque não é inferior a ela. É sempre bom lembrar, porém, que a emoção não é um compartimento estanque de sentimentos cor de rosa ou de zonas impetuosas: é todo um mundo interior que pesquisa no exterior, no código genético e nas ancestrais raízes antropológicas, estados de espírito e linhas de acção que por vezes nos confundem onde não queremos. Devemos olhar-nos na nossa riqueza, não obstante complexa, com naturalidade, sabendo que o autoconhecimento é a chave principal para o debelar de tantos novelinhos que, assim, talvez não existissem.


Nota: Devido à minha escassez de tempo e também à falta de disponibilidade interior, não tenho visitado os vossos blogues e, como tal, não tenho comentado. Tentarei fazê-lo com a calma com que gosto de o fazer e não a correr, à medida que me for possível, agradecendo, porém, todos os vossos comentários que geralmente leio no telemóvel e, por isso, a dificuldade em saber como vão vocês e os vossos blogues. Pela vossa amizade, obrigado a todos.


Beijinhos e abraços amigos e sentidos.


Até já.