Que importância terá a nossa vida em sociedade se não houver partilha e uma inter-relação pessoal verdadeira? Seria ingenuidade minha dizer que não devemos ser ambiciosos, ou que toda a nossa vida se deve pautar por um comportamento que visasse sempre primeiro os outros e só depois nós, embora eu tenha sido toda a vida assim, mas aprende-se. Todavia, é também uma realidade que, se não se deve pecar por defeito, também o não deverá ser por excesso.
Vive-se um grande individualismo. Todos são amigos de todos mas o facto agudizante é que cada um olha para si como um ser quase absoluto, um novo yuppie, embora tardio e consequentemente deslocado numa perspectiva de self made man.
Presta-se vassalagem ao culto do eu, afirma-se a proponderância da personalidade individual, salienta-se a propósito de tudo e de nada o curriculum vitae de cada um. E o que haverá de mais excelso do que afirmar-se sobre os outros, vincar as opiniões, fazer prevalecer os seus pontos de vista e, se preferível, derrotar o seu adversário, vergá-lo ao peso dos seus argumentos e dos seus interesses? Penso que, para se ser eficiente não é necessário extrapolarmos tudo o que somos e pensamos, como se mostrássemos uma espécie de vísceras intelectuais abonatórias de uma capacidade infinita.
Somos, antes de tudo, seres humanos que devem mostrar sê-lo, mesmo quando não colocam as medalhas em primeiro lugar, ainda que delas tenhamos legitimamente orgulho. Conheço pessoas com importantes funções mas que despertam e emitem um sentido de humildade e de serviço, que quase não as teríamos como o que são: engenheiros de física experimental no doutoramento onde, quer a postura, quer a simplicidade do diálogo, revelam acima de tudo a excelência do ser humano; juízes que de forma muito natural e sem preciosismos no vocabulário falam a linguagem do quotidiano sem que primeiro dêem um toque à sua imagem ou façam constatar que são juízes, advogados, médicos e professores que uma vez o sendo, têm como principal preocupação ser gente, ser Pessoa, e poder servir com os seus conhecimentos.
Ser competente sim, ser capaz de desenvolver todas as nossas capacidades, sim, é claro. Mas perder o ser no meio da ostentação (por natureza balofa) do curriculum, da conversa pseudo-desinteressada, da absoluta certeza a todo o custo, não será uma forma grave de egoísmo? E já nem falo dos arruaceiros, dos que dizem mal de tudo e opinam como meros revolucionários. É importante a ousadia, a irreverência, mas apenas numa óptica de frontalidade educada. E não devemos confundir educação formal com substância de opinião. A má educação também se revela na opinião em si. Criticar nao equivale a tirar olhos, desvalorizar e parodiar o outro. Criticar significa mostrar as divergências numa perspectiva construtiva e nao de mera constatação de facto. Assim nao se aprende mais do que aquilo que julgamos saber.
A inteligência não se mede pela admiração que possamos causar nos outros, mas pela capacidade de viver em toda a plenitude as minhas potencialidades mas também as minhas limitações...
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Nota: Agradeço a exterma bondade da malinha viajante que me ofertou o prémio "Este blog é um sonho". tal como os anteriores recebidos, está com muito orgulho colocado na barra dos premios recebidos. Em breve também eu instituirei novo prémio, para além do já oficial que vou oferecendo aqui e ali. Obrigado, malinha viajante :)