Não que me identificasse exactamente com eles, mas um Mário de Sá Carneiro ou uma Florbela Espanca, um Nick Drake ou um Jim Morrison, eram veios em que podia entrever uma parte de mim mesmo: entrega exagerada, sentimento exacerbado, angústia transcendental. Elos que me ligavam a seres que igualmente se tinham doado para além de si mesmos. Pessoas cujo espírito era o seu mundo particular, uma lágrima cristalizada, nem feliz nem triste, apenas uma lágrima arrebatada ao podium do total.
Tento reprimir esta patetice de me entregar aos outros como sei que o não fariam comigo. E não o fariam por simplesmente se ajeitarem terrivelmente bem ao mundo em que vivem, usufruindo do gozo das coisas, do prazer legítimo e da dor inevitável. Não se trata de egoísmo mas do comum do ser. Tem também a ver com a educação de sentimentos, com a fragilidade do ser ou com temperamentos. Enfim, cada qual luta pela sua parte, pelo seu ideal, pelo seu bem estar e orgulho naturais. E acho que sim, que está certo, que nos devemos fazer prevalecer, só que neste campo não me consigo enfrentar sem me ferir. Não tenho poderes sobrenaturais, e quando vejo um verdadeiro pobre daqueles que não fazem barulho (e são afinal os mais necessitados) que quando damos por eles já deixámos passar muito sofrimento ou já não estão cá; quando aperto a mão a um doente no hospital ou beijo o rosto de uma senhora de idade esperando voltar à sua vida normal e caseira, cristaliza-se-me o coração, fere-se-me a alma, molha-se-me o ser. E descendo as escadas de qualquer hospital, passando numa rua onde não vejo um pobre a clamar justiça porque esses não apenas não o fazem assim como ainda são prejudicados, ou um pai ou mãe esperando notícias do médico que vela pelo seu menino, sinto-me perdido e impotente.
A omnipotência é de Deus mas a solidariedade e vivência cristãs são próprias do Homem projectadas pelo exemplo de Cristo.
Nick Drake desmorona-se num banco de jardim só e triste.
Mário de Sá Carneiro sorve-se.
Jim Morrison transcende-se.
Cristo deixa-se vilipendiar e faz silêncio. Porque havia eu de falar recorrentemente do que os outros dizem, sentenciam e julgam?
Como posso aventar a hipótese do amanhã se o Hoje não for completo? Como me vangloriar no mal alheio e no que imputo? Como supor da minha condição um super-homem que um dia será cinza? Gostava de morrer de manhã. Ou melhor, que a minha transformação se desse num acordar tão confiante, tão alegre, tão tranquilo e compulsivamente vivo, que seria mais um ritmo clamoroso na orquestra da Vida, ou uma estrela tocada pela música de Vangelis ou ainda pelo burburinho das ondas do oceano no seu pulsar vital...
E como no final de uma área de Tchaickowsky, eis finalmente a garra e o despontar da vida. Viver sempre, sem miserabilismos nem auto-piedade, mas oferecendo e sofrendo a dor como algo de maior que um desígnio propôs. Não sei para quê, e é quando Deus Se torna ausente, mas Ele saberá. Isso devia bastar-me. E só pelo reverso da vida se percebe o horizonte para o qual fomos criados e sem o qual não podemos viver.
Para sempre aqui. Mesmo sem nada dizer.
Tento reprimir esta patetice de me entregar aos outros como sei que o não fariam comigo. E não o fariam por simplesmente se ajeitarem terrivelmente bem ao mundo em que vivem, usufruindo do gozo das coisas, do prazer legítimo e da dor inevitável. Não se trata de egoísmo mas do comum do ser. Tem também a ver com a educação de sentimentos, com a fragilidade do ser ou com temperamentos. Enfim, cada qual luta pela sua parte, pelo seu ideal, pelo seu bem estar e orgulho naturais. E acho que sim, que está certo, que nos devemos fazer prevalecer, só que neste campo não me consigo enfrentar sem me ferir. Não tenho poderes sobrenaturais, e quando vejo um verdadeiro pobre daqueles que não fazem barulho (e são afinal os mais necessitados) que quando damos por eles já deixámos passar muito sofrimento ou já não estão cá; quando aperto a mão a um doente no hospital ou beijo o rosto de uma senhora de idade esperando voltar à sua vida normal e caseira, cristaliza-se-me o coração, fere-se-me a alma, molha-se-me o ser. E descendo as escadas de qualquer hospital, passando numa rua onde não vejo um pobre a clamar justiça porque esses não apenas não o fazem assim como ainda são prejudicados, ou um pai ou mãe esperando notícias do médico que vela pelo seu menino, sinto-me perdido e impotente.
A omnipotência é de Deus mas a solidariedade e vivência cristãs são próprias do Homem projectadas pelo exemplo de Cristo.
Nick Drake desmorona-se num banco de jardim só e triste.
Mário de Sá Carneiro sorve-se.
Jim Morrison transcende-se.
Cristo deixa-se vilipendiar e faz silêncio. Porque havia eu de falar recorrentemente do que os outros dizem, sentenciam e julgam?
Como posso aventar a hipótese do amanhã se o Hoje não for completo? Como me vangloriar no mal alheio e no que imputo? Como supor da minha condição um super-homem que um dia será cinza? Gostava de morrer de manhã. Ou melhor, que a minha transformação se desse num acordar tão confiante, tão alegre, tão tranquilo e compulsivamente vivo, que seria mais um ritmo clamoroso na orquestra da Vida, ou uma estrela tocada pela música de Vangelis ou ainda pelo burburinho das ondas do oceano no seu pulsar vital...
E como no final de uma área de Tchaickowsky, eis finalmente a garra e o despontar da vida. Viver sempre, sem miserabilismos nem auto-piedade, mas oferecendo e sofrendo a dor como algo de maior que um desígnio propôs. Não sei para quê, e é quando Deus Se torna ausente, mas Ele saberá. Isso devia bastar-me. E só pelo reverso da vida se percebe o horizonte para o qual fomos criados e sem o qual não podemos viver.
Para sempre aqui. Mesmo sem nada dizer.