24.1.10

PERTURBAÇÃO DA LUZ



Sem nexo, sem afirmação, calcorreando entradas e saídas sem dizer olá nem adeus numa festa de loucura ou de entendimento sóbrio. Cada raio de palavrões mostra uma sala de gente, overcrowded, onde o cantor deixou de ser uma combinação genética e só lhe resta a voz intensa, penetrante, subliminal e aclamante, e ele mesmo visível por linhas de água: o suor. Isqueiros e lampiões de olhos gritantemente chorosos, piamente abertos, solenemente tristes. Sóbrios mas tristes. Não se pode esquecer aquela noite (ou talvez fosse dia) de chuva intensa, de um sol morto e de nuvens rainhas, em que ela se ajoelhou na terra serenamente e a lama colou-se sem que ela se importasse. Chorou. Oh, Deus como chorou. Depois passou a mão pela cabeça, alisando o cabelo longo e macio da tempestade do vento. Mas o dia estava diferente, escuro como se fosse noite (às tantas era mesmo noite. Nem que fosse a noite da alma).

Luzes amarelecidas, moveis chiquérrimos e caríssimos de outra eras mas feios, escuros, tenebrosos, tal como as óperas, operetas e demais, cavernosas, a meia luz, doentias, fúnebres. Quero luz e som, alegria e um mundo cheio de pessoas verdadeiras. Todos os dias falo com pessoas sem mostrar quem  sou, mas a rapariga do dia da morte chorou e foi-se embora depois de tantas horas. Um cemitério, um olhar, uma chuva intolerante, e de repente noutro lugar, outra mulher que não esta, presunçosa, convencida, vaidosa, simultaneamente afável e dona da razão, simbolicamente representando tantas outras, e lá vem a natureza do artificial e sabichonismo, doutrina social onde as pessoas se tornam camaleões.

Acabou-se o programa. Tudo é bonito, fofinho e azul. Acabou-se a tempestade e a loucura também. A noite é calma e convidativa. Depois da história a mãe vai dar-te um beijinho e não se esquecerá de te aconchegar no quentinho da roupa lavada. Dirás adeus, e Deus permita que amanhã ainda encontres quem amas.