Quanto mede um Homem? Quanto vale um Homem? Pode medir-se uma Pessoa? Pode aferir-se do seu valor? Que critérios nos guiam para tamanho juízo? Não haverá aqui elementos subjectivos e psicológicos que nos desautorizam a “medir” um Homem?
O mundo exterior e o mundo psíquico podem ser duas realidades distintas. E a captação do sentido da realidade, do anárquico ou do ilusório, é uma captação pessoal com todo o caminho que cada um faz sozinho. Não há, por isso, uma verdade científica, não há uma realidade maior. Há pessoas, ângulos díspares, formas unívocas de ser e de pensar. Ainda assim, também não se pode simplesmente desistir de tentar compreender o Homem. Não se lhe pode dizer que por ser espírito, por ser ave livre do espaço e não um plano quadricular onde se defina metricamente a sua existência e porquês, se lhe anarquize todo o comportamento, justificando-o!
Somos uma realidade complexa, mas partes há que se podem (e devem) decompor. O médico que trata o doente não lhe conhece os hábitos mas diagnostica-lhe as causas. O amor de uma pessoa pela outra pode ver o exterior, as acções dessa pessoa, mas importa lê-la por dentro, conhecer-lhe os sinais. O exterior revela apenas uma parte do que somos, e o amor é uma ponte que intui o essencial, o subjectivo, o que não se vê. O interior é um cofre nem sempre bem manuseado pelo próprio, havendo vontades divergentes, como a real e a declarada. E quando a vontade real não é a declarada, exasperam-se os amigos, os amantes, os familiares; quando havendo uma forma de sentir se revela outra. Por exemplo, gostar muito de uma pessoa e provocá-la a cada instante. Apetecer telefonar ou escrever a alguém, e violentar a vontade não o fazendo. Querer chorar a dor e pretender estar bem. Desejar cruzar continentes e dizer que nada se quer excepto um quadrado de terra.
Tudo isto são evidências, asserções de facto da nossa experiência diária! Poder-se-ão chamar falhas? Como podemos, então, devido a esse hiato que nos é intrínseco, percepcionar, intuir, até mesmo compreender o outro? Talvez pela tentativa continuada de lermos nas entrelinhas sem nos deixarmos levar por juízos pessoais! Talvez por alguma necessária e pedagógica provocação, que num lapso de tempo revele muito mais do outro do que aquilo que mostrou durante anos! Talvez por um amor que supere a curiosidade e trate de amar o verdadeiro, o interior! Porque todos somos capas de nós mesmos. Todos nos socializámos! Mas crescer é anular o sentimento? Tornar-se adulto é ser um protótipo, um exemplo a seguir? Não é antes adulterar-se? Usamos capas e temos de fazê-lo mas só até ao estritamente necessário ou desejável; nunca para além daquilo que sentimos.
Algo me parece óbvio. É que não há formas acabadas de ser, e consequentemente, de não se conseguir ver e perceber o outro! É por isso que há poetas, amantes do horizonte que numa primeira visão parece nada ter! Entre o que existe e a não-realidade, criam, inventam, descobrem mundos que não vemos, dão-lhe cor, luz, alma, personificam-na, devastam ilusões, fazem cair castelos, desmoronam impossíveis... porque há um mar unívoco, pensado, desfeito pela realidade que ultrapassou o sentimento. Paradoxalmente, é nessa terra deserta que encontram seres imaculados, como se desprovidos de matéria e assomos da razão para enformarem a alma, para darem corpo ao que na realidade somos. A forma é a melancolia, a nostalgia suprema, a antecipação iludida de uma realidade.
A dor não se mede. Sente-se. Todavia, a racionalização deve existir como garante de saúde física e higiene mental, ou perderemos as nossas referências identitárias. Se é verdade que somos mais fortes quando amamos, (entendam o amor da forma que quiserem), é igualmente verdade que nos tornamos força quando não amamos alguém em particular, pelo que restará então existir ou viver. Existir, pode ser procurar nas coisas o que não temos nas pessoas; viver, é por natureza uma aventura. Mas valerá a pena pagarmos o preço da mediocridade, porque é assim, porque se faz assim, porque é suposto ser-se assim? Valerá a pena desperdiçar uma vida porque existe um fantasma social?
Uma vida sem ambições pode ser a melhor vida de sempre, alimentada pelo amor, pela solicitude, pela delicadeza e emoção. Mas isso não é uma vida medíocre. É uma homenagem vivida. Não devemos confundir êxito ou fracasso com boa vida ou mediocridade. Uma vida coroada de êxito pode ser o pior sucesso. Uma via com fracassos, (doença, pobreza, desgostos...) pode ser uma lição de humildade e de serviço. Mais: de dignidade! Porque o valor da nossa vida não depende do êxito do nosso trabalho. O importante é estarmos acordados para a vida, e se não sabemos ou desistimos de perceber o outro, não façamos grandes tempestades. O outro muitas vezes também não se percebe; escapam-lhe dados que não apreende.
Terá um Homem dois metros de altura? Pode ter mais e pode ter muito menos, porque a escala de que cada um se serve é diferente, e os resultados são por isso também diferentes. Que fazer, então? Amar quem vive na capa; não a capa. Agir mais e perguntar menos. Valorizar o silêncio. Mas também espevitar, mover as areias do conformismo e incitar a ser.
Se criarmos charme, ilusões, se esperarmos demasiado para que o dourado fique ainda mais brilhante, pode acontecer que no dia em que já pensamos ter o ouro na mão só pela nossa paciência calculada em tempo de espera, seja afinal uma amarga desilusão por já não ser um metal precioso mas um pouco de latão enferrujado. É por isso que devemos estar atentos ao outro enquanto sabemos que nos concede essa honra. Não vá acontecer tornarmo-nos cúmplices do nosso próprio desencanto porque permitimos que o outro se fosse embora!
Quando uma sociedade se inquina em falsos adágios, então como que perde a motivação para mudar, e a vocação de ser ela mesma, e dificilmente uma multidão combate um costume, porque a multidão é acéfala e não sabe de onde vem o problema. O senso comum é o maior inimigo que conheço.
Como penso ter lido algures, inacreditavelmente aparentamos com muita perfeição a falsidade!
Até já.